terça-feira, 6 de novembro de 2007

Clichê








Não sei como atualizar sempre essa desgraça. A idéia de fazer um blog foi me cobrar a escrever menos no vapor do vidro do box (o meu é de plástico, mas por elegância decorativa resolvi mudar o material) e mais num word vista que visa ser meio chato de se acostumar. Geralmente quando me obrigo a escrever e abrigo minha mamífera bunda nessa cadeira, não saí nada além de ridículos trocadilhos com palavras parecidas.

Quando a criatividade saí para comprar cigarros e nunca mais volta, a opção perfeita para quem quer mexer os dedos sem saber para o que é justamente escrever sobre o que não ter que escrever. Coisa que Charlie Kauffman e suas cigarrilhas verdes exploraram muito bem no putaqueparilmente dahora (formídavel, em termos cinéfilos) “Mais Estranho que a Ficção”, com Will Ferrel de camisa o filme todo, bêbado de paixão e biscoitinhos, descobrindo se sua vida se encaixaria na literatura como comédia ou tragédia.

O fato é que se você não for o Charlie Kauffman ou não souber mexer bem nesse word, contar sobre a própria ausência criativa é quase tão inovador como terminar as loucas peripécias de um personagem com ele acordando de um terrível pesadelo, vendo que estava o tempo todo numa indigesta siesta ao som da abertura do video show. Mais que isso, é fazê-lo andar aliviado pela cozinha, sorrindo por tudo não ter passado de um sonho ruim, mas, com um agudo de violino, destacar logo antes dos letreiros uma bizarra algema masoquista em cima da mesa.

Clichês existem, e nos perseguem como cerveja em dias de sol, chuva ou vento. Uma vez ouvi que o maior dos clichês é fazer do inofensivo mordomo o perverso e maquivélico assassino, no melhor estilo Código da Vinci de finais surpreendentes. Entendo o apelo do elemento surpresa que um empregado doméstico fantasiado de 007 pode ter para uma trama, mas o único serviçal que já vi como assassino foi o Adalberto, da Próxima Vítima.

Aliás, novela esta que abriu caminho para o clichê do fabricar mistérios. A inquietação do ser humano resumida pelo “daonde viemos, para onde vamos, quem matou Thaís?”, reforçada pela séria voz de Willian Bonner, logo antes dos gols do brasileirão. Imagino que para os maridos que desviaram sua curiosidade dos bombardeios da mídia sobre o caso, o único mistério que gostariam de passar o dia a resolver seria “Quem matou Galvão Bueno?”.

Da enorme lista de clichês que por preguiça não listei, existe um que coroa todos. Sentado a direita de “foi tudo um sonho ruim”, todo-poderoso, usar irmãos de mesmo óvulo para atiçar o mistério de uma trama ofende até a mais singela das inteligências. Por terras de Roberto Marinho, já ficou comum aparecerem gêmeas idênticas, opostas em caráter, com a parte malvada do sobrenome passando pela irmã bondosa, seduzindo o galã e não abaixando a tampa do vaso.

Seja qual for, o que mantém acesa a chama francesa do clichê é garantia de que, como um filho ausente, ele será sempre bem recebido. Sua ótima aceitação em novelas e filmes de domingos chuvosos garantem o leite das crianças de roteiristas, que encontram nele a salvação para um prazo que esqueceu de trazer uma musa inspiradora. No caso das novelas, existe um consenso silencioso por parte de público e autores a favor do que é óbvio e previsível. Penso que quem chega cansado de mais um dia de labuta, trabalhando para álguem que - usando de um eufemismo afeminado - há de ser fruta , quer mais é mergulhar no carioquês do Brasil Projac, e ver brilhar diante de seus olhos o entrelace de histórias que tem a garantia de terminar bem. Na pior das hipóteses, com um belo casório.