quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O Ano que Já Passou

Nota do autor:

Devido a recentes catástrofes naturais, como furacões, furados cães, bandos do PCC armados com PVC e e mesmíssima piada de como sempre acabo por fazer ridiculos trocadilhos, esse texto perdeu seu prazo. O ano já passou e estamos em outro, muitas semanas depois da ressaca do mar e do revellon. Contudo, asseguro para você e para mim que sua idéia e inspiração ainda se mantém. A cobrança de escrever sobre o ano que passou me veio como uma boa lembrança de verão, que entra flutuando pelas cortinas e refresca meu rosto, como a suave brisa de um caminhão com problema no carburador.


Chega o final de ano e as retrospectivas sobre o seu decorrer se tornam mais frequentes que papais noéis de varanda. As televisivas, reforçadas possivelmente pela voz do espírito de Cid Moreira, somente nos relembram e surpreendem como que essa ou aquela desgraça ainda tenha acontecido este ano. A verdadeira retrospectiva, que provoca uma reflexão genuína sobre um ano que se encerra, acontece quando a piracema dos créditos sobe tela acima e pares de pés arrastam seus chinelos até as cobertas, mantendo os olhos abertos e a mente vagando após o breu que segue o clique do abajour. A retrospectiva cerebral do que fizemos com nossos próprios 365 dias.

O exercício de pensar sobre o que de nosso ano foi bom, ruim, péssimo, ótimo ou esquecível exige das pessoas algo além de fosfósol. Primeiro, destacamos com uma caneta grifa-fatos os momentos que nos marcaram durante as quatro estações de 2007. Depois, seguindo os passos de um ad-emer da reflexão, contabilizamos tudo a partir da razão [(X/365) vezes Y], sendo X correspondente aos bons momentos e conquistas ao longo do ano. Y é “acontencimento ruim”, o fator multiplicador que pode influenciar todo resultado e dar a sensação de que nesse ano os dias se estenderam penosamente. Tudo, claro, dependendo do valor que se atribuí para cada incógnita.

Mas o meu ponto não é esse. Para lhe ser bem mais sincero, escrevi esses parágrafos com a melhor das itenções, mesmo que muito ciente do quanto o mármore do inferno está imundo delas. O ponto que ranquei duas linhas de sua atenção para chegar é o cerne da minha singela tese e fruto de divagações de metrô: a cada ano que passa, o ano passa mais rápido.

Pensar nisso esbarra, tromba de frente e derruba todas as compras da teoria da relatividade. A teoria do clichê de cientista linguarudo, simplificada na sabedoria popular como “tudo que é bom dura pouco”. Em termos práticos, algo como a comparação de se enfiar num edredom por uma tarde chuvosa com uma charmosa desnuda. Cronometre. Agora espere sua vez na fila do banco com uma excursão de velhinhas e mulheres com crianças de colo que abusam da Lei que as favorece (imagino que em tempos de internet banking, existam exemplos infinitamente melhores). Se você não sentir a discrepância de como o tempo passa, é bom que troque de namorada, arrume uma logo ou pelo menos me conte que banco costuma frequentar.

O curioso de tudo é que a sensação da rapidez acumulativa dos anos que fiam nossas vidas aparenta ser comum para todos. O longo suspiro que segue uma conversa e emenda com a frase “é.. parece que foi ontem”, não se limita mais aos que já viram muitas primaveras ou choraram quando o Tancredo Neves morreu. Nossa própria geração e a vida em banda larga que levamos conduziu a uma necessidade de suposta eficiência e rapidez para tudo, nos pressionando com o prazo de um astronauta que deve explodir o asteróide que cairá na Terra. Queremos o emprego de salário máximo seguido do de mínimo e a namorada para passear de mãos dadas seguida do pé na bunda. O que é relativo hoje em dia é quantas voltas de ponteiro, quantos dias do calendário passarão até que o próximo chegue, num círculo vicioso que a morte transforma em reta.

A busca pelo próximo momento acaba por nos privar do agora. Como se chegássemos no destino, pensando em acordar cedo para o próximo check in. Não que considere que devemos portanto viver ultra intensamente o agora, espalhando-se sem rumo por aí como um hit do Bob Dylan. Pensar só e exclusivamente no presente tira a graça de vê-lo embrulhado debaixo da árvore de natal, naquela ansiosa espera que deixa mais gostoso o glorioso dia de rasgar o embrulho com os dentes cerrados.

A sensação de rapidez temporal que sentimos depende de como lidamos, diariamente, com o voar acumulativo das décadas, anos, meses, semanas, dias, segundos e palavras.

Não estou questionando a teoria da relatividade. O “Tudo que É Bom Dura Pouco” se mantém, é claro. É injusto com a própria fila do banco compará-la com o mesmo período de tempo dentro de edredons abafando “Sexual healing”. Meu ponto é que os anos teimam em aparentar passar mais rápido parte também por culpa nossa, por focarmos no feriado “sem ser esse o próximo”, nas promessas do ano que vem, nos boletos a vencer.

“Bons tempos, parece que foi ontem né?” Pois faça o hoje ser um ontem tão bom como aquele! Guarde as fotos, os videos e as lembranças-que-fazem-rir-sozinho como um repertório, como condicionamento felícico (felicico, do lattim felicidade) para quando o próximo dia como aquele chegar. Algo como o fato de estar sentado numa cadeira de praia, de frente para o mar e de lado para um cooler, ser tão agradável que te lembre em fazer isso mais vezes. O suficiente para aproveitar aquele momento e se recordar que na finita linha reta ainda há tempo para tê-lo de novo, com a inevitável vantagem de ser sempre de um jeito diferente.

Pensar no futuro é bom, vivê-lo, com a intensidade que este negrito empresta, é melhor ainda.