sábado, 7 de junho de 2008

Dia dos Namorados



Chega o inverno e com ele, o vento. O sopro de gelo que roseia nossas bochechas e treme nossos queixos, e curiosamente, aquece até mesmo os corações dos mais convictos micareteiros.

Você mesmo pode discordar de início, mas não há argumento maior que o vapor de uma sopa pronta e uma reprise de “Cidade dos Anjos” para provar o efeito do frio na curiosa vontade ligar para um ex, que no inverno, sempre tem vez.

“Quem bate? É o frio, e minha grande amiga, a carência.”

É este mesmo frio que encolhe seus ombros quando caminha na rua, que te faz perceber que a solidão não se limita àquele curto passeio. Para você, triste projeto de picolé, falta outro ombro ao lado, para enlaçar com o braço e puxar ao seu encontro. Mais que um corpo quente, um edredom feito de agasalho e pele macia, com um travesseiro de cabelos lisos e perfume de recém-lavados.

O vento, o mesmo que no calor do verão empina pipas, desfaz penteados e levanta saias e torcidas, quando no inverno entra pela gola do agasalho ou se esgueira entre as camadas de cobertores, atiça o mais desejoso dos romantismos. É ele quem envia flores, escreve cartas de amor, toma pelo braço e conta toda uma paixão com um beijo de curvar as costas.

Aos que namoram, vale a fábula da Cigarra e da Formiga. A Formiga foi para Monte Verde no feriado, ao cinema na sexta, teatro no sábado e levou cunhadinhos ao Hopi Hari num domingo nublado. A Cigarra exagerou na cerveja e se perdeu na balada, dormiu abraçado com coisas que não se deve abraçar e conheceu muita gente interessante que nunca saberá como são a luz do dia. Quando chega o inverno, a Formiga está tranquila para o rigor da estação. E a Cigarra, esta fanfarrona, treme castigada pelo frio sem um exemplar do sexo oposto para alojar seus beijos e abraços.

Fábulas a parte, no mundo real uma verdade é inegável: no inverno, dormir de conchinha torna-se mais valioso que um maço de Marlboro em pátio de penitenciária.

E para completar a vontade inerente as baixas temperaturas que a garota do tempo anuncia, é pela metade do mês que a solidão dos transeuntes desacompanhados se confirma. Para os gringos é Dia de São Valentim. Por uma trocadalha coinscidência, Valentim foi um padre muito corajoso. O senhor de saia preta ignorou a ordem do imperador romano Caldeus Segundo de proibir casamentos entre jovens apaixonados, e por isso, sussurrava “você agora pode beijar a noiva, meu filho” no porão de sua capela. Denunciado por um penetra, o padre foi preso e morto, não sem antes mandar cartas de amor para uma freirinha que sempre achou jeitosa – uma última tentativa de saber o que tem de tão legal nas coisas que escutava no confessionário.

Além de um legado de ousadia, romantismo, e a necessidade de uma lista de convidados, o Padre deixou a herança de um dia dedicado a declaração do afeto, numa sinceridade açucarada com paquera. Do café com selinhos ao chantily com lambidas, casais de todos os romances e intensidades fazem do dia o agradável pretexto para caprichar ao dizer o que sente.

Na nossa fábula, tanto açúcar e chantily acabam servindo como recompensa ao árduo trabalho da Formiga. A Cigarra, que cantou alegremente por todo verão, agora abre seu case de violão na praça e pede moedas tocando músicas do Radiohead.

E enquanto o frio não passa, ela canta a espera de um vento igualmente gelado, mas refrescante como hortelã. O mesmo que desfaz penteados, empina pipas e levanta saias, sopra para longe corações recortados de cartolina vermelha.