quarta-feira, 29 de abril de 2015

Polpa Tempo

Nem tudo é gianduia e caffè na aprazível Turim.
Semana passada tive o prazer de conhecer outra atração da Itália. Menos famosa que sua gastronomia, mas cujo exagero é igualmente indigesto. Mentira, nunca passei mal por me entupir de comida italiana. No máximo dormi mais horas pela tarde do domingo.
Já conhecia boatos sobre a burocracia italiana, mas vivenciá-la foi outro papo. Você imagina que o molho de tomate por aqui vai ser uma delícia. Mas espera até a primeira garfada. Incrível.
O princípio de tudo parecia simples. Uma bicicleta que enviei de Sydney para cá precisava de um código para ser liberada na alfândega italiana.
O lugar para conseguir esse código? Um escritório a uma hora de Turim, de ônibus. Ainda imerso na minha ausência de sabedoria e inocência, achei que era só o necessário. Pois bem. Lá fui informado que o código só seria dado mediante um endereço registrado na Itália.
Trampo número 1: ter o endereço. Check.
Trampo número 2: tê-lo registrado. Chit.
E lá fui eu registrar o endereço.
Em uma mesma manhã, passei por dois tipos de cartório, com uma visita ao banco no caminho, para pagar uma taxa. Com o detalhe de que o recibo deveria ser apresentado ainda no primeiro cartório. Taxas. Como poderia me esquecer do queijo ralado de todo pratão de burocracia?
Tal epopeia provavelmente levaria um dia inteiro, se não fosse pela ajuda de Mario, meu primo italiano surrealmente gente boa. Quando liguei para perguntar sobre os trâmites locais, ele se voluntariou a me ajudar. Tenho dúvidas se Madre Teresa faria algo parecido.
Ele foi até o cartório e de lá partiu comigo passo a passo, como um sábio guia pela Cordilheira dos Papeládias.
Ao chegar no último guichê, do último cartório, a surpresa. O que eu precisava fazer lá, só com data marcada. A próxima em 15 dias. Até o paciente e solícito Mario ficou puto. Nosso calvário extrapolava os padrões italianos.
E hoje como está a situação? Infelizmente, só posso dizer que ainda estou pedalando.

*Atualização: ao fechar dessa edição, a bicicleta finalmente foi entregue. =D

Caffè, dolce e um tiquinho assim de carimbó

A cidade amanhece. Faz frio. Encostando o cotovelo no balcão, ele pede um pingado chamando o atendente por algum apelido. Instantes depois, o café aveludado vem devidamente servido num copo americano. O homem agradece e com migalhas de pão na chapa grudados no bigode, segue seu rumo para conquistar outro pão.
Sempre achei incrível o papel protagonista do cafezinho no dia-a-dia do brasileiro. Ele é o convite para entrar em casa, para sintonizar na Rádio Peão do trabalho. Ele está cravado no Aurélio, na definição da primeira refeição do dia. Quer algo mais?
“Cafezinho”, aliás, é o terceiro colocado entre “palavras brasileiras” que te falam com um sorriso quando você conta que é do Brasil. Só perde para “Neymar” e a celebridade “Saudade”. (Sim, também torço para o dia que “Mussum” entre para o Top 3).
Turim amanhece do mesmo jeito. Cotovelos se apoiam nos balcões todas as manhãs em pequenos e simpáticos Cafés por toda cidade. E a 1 Euro cada, você curte um espresso curto e cheio de sabor. Cappuccinos, macchiatos e outras parentes também rodam o salão. Mas o espresso ainda é o rei.
E o pão na chapa? Aquele coringa do lanche matinal? Que vai bem com polenguinho, requeijão ou até sem nada – o que pessoalmente acho esquisito, mas até aí tem gente que prefere por Toddy no leite ou ovo frito com a gema dura.
Se existe o ditado “Minas não tem mar, mas tem bar”, diria (sem a rima) que Turim não tem pão na chapa, mas tem uns baita doces.
Há muito tempo, importar cacau ou a pasta base para chocolate estava muito caro. Para “fazer render” (quem nunca?), adicionaram avelã, muito comum na região, à mistura. Nascia o gianduia. Sabe o Nutella? Então, esse é o seu pai.
Pois bem. Nos mesmos cafés pelas esquinas, lá está ele. Em massas folhadas, em pãezinhos, barrinhas, sorvetes e afins. Por enquanto, o Bebeto e Romário do meu café em Turim é um folhado de gianduia e um café. O preço pela dupla? A bagatela de 3 Euros, no máximo.
Os cafés de Turim são incríveis e valem cada visita. Todo lugar em que uma cidade começa o dia é sempre uma janela escancarada para conhecer um pouco mais o que é ser de lá.
É só sentir o cheirinho do café e abrir a porta.


Texto originalmente publicado no: http://mundoplot.com.br/category/colunas/ciao/

Allora...

(Ou: as primeiras impressões de uma cidade encantadora)
De mãos dadas no alto de um prédio, ele arremata: “You met me in a very strange time in my life”.
Prédios em frente começam a implodir e desabar, um a um. Entra a música. Os créditos. Fim.
Agora você deve estar se perguntando – e eu também – o que cazzo a última cena de “Clube da Luta” tem a ver com uma coluna de viagem sobre Turim? Humildemente, explico.
Passeando em Turim | Foto: Fábio Lattes

Você, caro leitor, está me conhecendo em uma época atípica na minha vida. Longe de casa há um tempo, há uma semana fui do esmero e a juventude de Sydney para o charme vintage de uma cidade que já viu muito nessa vida. Do sol mais forte e do céu mais azul que já vi na vida para um frio úmido e um céu que mais parece um constante filtro de Instagram, desses que usam para deixar selfies mais chiques.
Agora adicione a esse curioso contraste um pouco das minhas próprias expectativas. Minha ansiedade quanto ao futuro aqui, minha vontade de conhecer cada canto, aproveitar cada segundo. Pimba! A frase já faz um pouco mais de sentido.
Por isso, peço um pouco de paciência. Ainda não tenho a dica daquele lugar escondido com o melhor Cacio e Pepe (uma massa deliciosa com queijo pecorino e pimenta do reino). Opa. Já temos uma dica. Aliás, uma boa é o Na Garagem, em Pinheiros. Baita hambúrguer. Simples, tenro, preço justíssimo. Ô saudade.
Talvez essa seja a graça. Vou poder dividir com vocês cada descoberta, uma a uma.
Mas não pense que vou te deixar sair daqui de olhos abanando. Algumas coisas já me chamaram a atenção. Vamos a elas.
Comer é barato. Demais. Cinco euros uma massa. 3,50 um sanduba de presunto cru e gorgonzola. Com mais cinco, você emenda o “secondo piatto” e já começa a falar um pouco mais como os Berdinazzi em “O Rei do Gado”.
A fórmula europeia de encantamento arquitetônico se repete. Labirinto de ruas estreitas de prédios antigos que de repente se abrem em um oásis de paralelepípedo. As Piazzas. Logo de cara me deparei com uma enfeitada por um pequeno castelo, feito de tijolos marrons escuros iluminados para ajudar a cair o queixo pelo menos um pouquinho. Outra, com uma enorme estátua equestre. Outra, uma enorme fonte.
E andando por elas, eu. Com a cabeça como um giroscópio, tentando capturar cada detalhe, absorver cada impressão.
Pensando bem, vale um ajuste:

“You met me in an amazing time in my life.”


Texto originalmente postado no: http://mundoplot.com.br/category/colunas/ciao/


Ciao!

Nunca esqueci o dia que percebi que o nosso “tchau” era nada mais que um “ciao” abrasileirado. E pior: era uma versão reduzida do original. Que só significava “até logo”, “adeus”, “até mais”. Justo nós, brasileiros, que abrasileiramos um cozido francês e criamos a feijoada? Justo nós, que abrasileiramos um esporte inglês e criamos a bicicleta, a pedalada, a comemoração de gol tirando uma máscaras e adornos de dentro do shorts?
Mas tudo bem. Apesar de ter ficado só com a parte do “até logo”, temos a a nossa querida “saudade” para compensar toda despedida que um “tchau” implica.
“Olá” e “Tchau”, em uma única palavra. Ciao. Essa palavra nunca me fez tanto sentido. Há 6 meses eu e minha namorada (agora noiva!) embarcamos para a Austrália. Meu plano? Viver uma experiência profissional e pessoal, viajando pelo país e pela Ásia. Um ano, talvez dois. O suficiente para voltar com a bagagem cheia de tudo que não vai em uma mala e não é taxável pela Receita. Era o primeiro Ciao, me ajudando a se apresentar a essa nova aventura.
Seis meses depois, o segundo ciao. Aquele, do “até logo”.
ciao
A experiência profissional que tanto procurei por aqui, entre turnos como barman e garçom, inesperadamente veio de outro país – a Itália. Justamente a inventora e proprietária do duplo “oi” e “fui!”.
E é sobre lá que vou ter o prazer de escrever por aqui. Com o mesmo plano. Com o mesmo peito aberto para se arriscar e viver uma incrível experiência de vida. E no futuro, dizer outro Ciao contente e agradecido. E pronto para o próximo.
Até!


Texto originalmente postado no: http://mundoplot.com.br/category/colunas/ciao/