segunda-feira, 28 de julho de 2008

Marcelle Night Out



Sexta feira, 9 e meia da noite. Para muitas mulheres, a hora da verdade.

É hora de rímel e batom, de delinear com precisão cirúrgica o contorno das bandeirolas do flerte, que tremulam e sacodem ao vento para mostrar ao cego, surdo e mudo do macho alfa ou Beto (conheci um que era muito bonitinho) que ali tem uma Mulher.

Nessas noites de lua cheia (peraí, São Paulo tem lua?) mulheres cheirando a sabonete com hidratante espalham peças e vestidos pela cama, escolhendo com um turbante de toalha como ficar linda para mais uma noite de procura, mesmo que não tenha intenção alguma de encontrar alguém. (ou com essa mentirinha muito bem construída para si mesma)

Tudo pronto, uma checada no espelho, preparando o Avião antes da decolagem. Peito? Check. Cabelo? Check. Mãos? Check. Agora, o gran finale. O perfume. O cheiro que vai misturar com nossos ferimônios e puxar como uma mãozinha de um enebriante vapor narizes e bocas masculinas entreabertas. Uma esbaforada no ar e um passo a frente empinando o queixo, como uma maratonista da sedução cruzando a linha de chegada. Tudo para chegar ao lugar mais alto do pódio, mais fácil de beijar se usar um salto bem bonito.

Olha. Tentei. Já foram três paragrafos no capricho. Mas quer saber? Não levo jeito para esse negócio de crônica, narrativa ou texto. Escrever tudo aquilo ali em cima foi tempo! E sinceramente, qualquer parágrafo que a barrinha piscante vá e volte mais de três vezes parece mais indecisão do que escrever para o “GatoBH” (recomendo “solteiros 30 anos”, do UOL). Tudo parece muito bonito, mas na hora de contar assim, com palavras, fica difícil. No Sex and The City a Carrie escreve muito bem, conta da sua vida com graça e leveza, uma maravilha. Mas ganha em dólar e recebe um par de sapato para cada fala que erra. Aí é fácil!

Quero é contar minha história. Acho que é o que importa. Né não?

Agora que você sabe o que acontece com todo o Brasil solteiro, te conto o que esse dia é para mim, que também é solteira. Precisamente, o que foi faz duas semanas. Para Marcelle, (ah sim, muito prazer!) essa sexta-feira foi dia de supermercado. “Nossa, que encalhada”, você pensa. “Pelo menos não tenho namorado brocha”, eu penso. “Que grossa!”, e eu penso numa desculpa. Mas não sou encalhada. Acontece que exclusivamente nesse dia, a Dé, a Rê e a Má tinham saído, cada um para seu canto. O Carinha da Academia, o Paquera do Trabalho e o Pegueti da Balada haviam sido convocados para uma noite de diversão, prazer e cartão de crédito (não necessariamente nessa ordem), me deixando sozinha para a noite.

E eu? Bom eu tava bem assim, sozinha como teclo agora, mas sem o cigarrinho no canto da boca - meu péssimo hábito dos tempos de debutante. Sexta, minha amiga, era “Marcelle night out”. Aluguei um filme bem animado, Meu Primeiro Amor, e segui para o supermercado, onde faria um romântico jantar a dois, eu e meu ego com vinho e queijo francês. Tinha acabado de sair do trabalho, com bolsa debaixo do braço e dos olhos. Estava cansada. Cansada de tudo. De homens cafajestes, que são bonzinhos e perdem a graça. E de homens bonzinhos que na verdade são os piores do mundo mas tem toda graça por serem cafajestes, e por isso, acabam por uma estranha coincidência a perder seu número todo dia seguinte. E para coroar, te fazem esperar sentada até o dia que a encontre, sem fila indiana ou retirada de senha, mas pronta para levantar quando gritam “próximo!”.

Essas coisas que acontecem com minhas amigas, nessa simplicidade inerente a toda mulher.

Fica registrado nesse papel que não pensei em tudo isso enquanto caminhava pelos supermercado. Foi tudo muito mais rápido. Se você olhasse pela camera de segurança ia ver que passei pela entrada, com duas portas automáticas se abrindo ao meu charme, peguei minha cestinha e fui direto a sessão gourmet. Segui até a prateleira, repleta de vinhos de uvas e safras variadas. Aiai. Será que lá havia a minha? Um belo rótulo, com uma letra bem serifada e sem celulite descrevendo para sua seleta clientela de apreciadores “Marcelle Cabernet Souvignon Moulain Rouge, safra 1978, mas com uma garrafa de 22 anos. Um belo exemplar de Barueri, feito de uvas quase maduras, muito doces e macias ao paladar.”

Risadinha tonta. Como uma camponesa a fazer xixi na moitinha, elegantemente me acocorei em frente a prateleira, percorrendo com os olhos a parte inferior da prateleira. O cheiro forte dos toletes de parmesão, do sapólio industrial que lustrava o chão, do maderado cheiro de loção pós barba, tudo... Loção pós barba? Viro lentamente ao pensar essa última frase. Bem acima, ele. E-L-E. Mais que um gato, um felino. (eu sei que é a mesma coisa, mas só falei isso para você entender bem o quanto ele era bonito.) Barba por fazer, olhos verde meio azeitonados, desses que ficam mais claros quando batem a luz. E mesmo com naquela luz fria e hospitalar do supermercado, ficavam lindos. E lá estava ele, parado, olhando para mim. O que ele queria? Pedir licença? O meu número? (do celular ou do manequim?) Um sorriso se abria lentamente, como uma persiana que deixa entrar a luz dourada de uma manhã de domingo. (não foi bem assim, você sabe. Mas serve para efeito de comparação.)

Me ergui com toda compostura do mundo, quase tombando para trás num súbito desequilíbrio (faltou por a mão na testa e se jogar para o amparo de seus braços). Sorrisinho para disfarçar o ocorrido, empurrada de cabelo para trás... (mostrar um pouco de pescoço, tá indo bem Marcelle, continue assim.)

- Oi, tudo bem?. - ele diz entre a sua persiana. Que comece a paquera!

- Tudo bom e você? - Respondo com aquela simpatia calculada.

- Tudo bom... Os olhos de azeitonas mudam do meu rosto, para a prateleira. Voltam para mim. Está procurando o que falar. Pode vim amigo, que tô preparada.

- Procurando um vinho?

Por mais óbvia que seja a pergunta, eu acho o máximo e concordo com balançar afirmativo de cabeça, acompanhado de um sorrisinho de fingida surpresa. Duas opções. Ou ele leu isso na sessão “Dicas pra catar a mulherada” enquanto esperava o seu corte no barbeiro, ou ele realmente se interessa por vinhos, comida e mulheres bonitas, o que explica ele estar ali falando comigo. Independentemente da resposta, tudo que queria era uma gravata borboleta e um bloquinho de pedidos. “O senhor aceita um Marcelle Cabernet Souvignon?”

Aceito a sugestão do Persiana. Aliás, poderia ser uma belo Sang´de Boá que estalaria os lábios depois de dar um gole do mesmo jeito. Ele ainda se ofereceu para levar a cestinha, passando a frente para indicar o caminho. Que homem! E que bunda! (sempre gostei de calças de terno, que conseguem ser justas sem serem de bixona). Chego ao caixa, ele já posicionou as coisas na esteira, caindo por terra a teoria que deveria correr mais numa dessas.

Estica os braços torneados e bem educados, pega o primeira garrafa e passa pelo leitor de código de barras. Pega um queijo e repete o movimento. Que brincadeira tonta! Deve ter lido naquela mesma matéria “como catar a mulherada”, provavelmente na sessão “seja engraçado, sempre cola”.

Me dá um sorriso, mais tímido. Deve ter visto que não deu muito certo. Pega o outro queijo, e com o BIP do laser lendo as barrinhas pretas que vejo. Pendurado no pescoço, um “posso ajudar?” gravado em caixa alta sob o plástico laminado do crachá.

E ali fica, igual a um pêndulo balançando de um lado para outro, como que dizendo:

“Hoje não Marcelle. Hoje não.”