domingo, 29 de novembro de 2009

Amizade




















Nos idos de 1990 você cantou em falsete - que eu sei - a seguinte canção: “Amiiiiigo é coisa pra se guardaaar, no lado esquerdo do peeeeito”.

Terminado o coral com o sinal de gralha eletrônica que anunciou o recreio, você e o coleguinha ao lado saíram em disparada para mais uma tarde correndo atrás de bolas de futebol e o galho mais alto da árvore. Pronto. Estava instaurado o primeiro caso de amizade nessa vida que dava seus primeiros passos, muito possivelmente calçando ki-chute. Independente do tênis ou se você era menina e gostava de bonecas, uma coisa é certa: a tia da sua escola acertou em cheio ao fazê-lo cantar este belo verso do Milton Nascimento.

Que graça teria essa vida sem amigos? A testemunha ocular dos seus momentos, melhores ou não. O ombro ao lado que sai junto na foto e confirma histórias para contar de cerveja no copo ou neto no colo. Um cúmplice na cola do colégio e na indicação para um emprego. Definições são muitas, mas nada resume melhor o valor de uma amizade do que a seguinte epifania cinematográfica, do filme Na Natureza Selvagem:

“Happiness only real when shared”.

Chame de instinto, de carência, de uma evolução do infantil medo de escuro, mas é de nossa índole querer ter alguém para compartilhar experiências nessa vida que parece ser eterna enquanto dura. Ou você realmente acha que premiações “com acompanhante e tudo pago” estão a toa por aí? São provas concretas, estampadas em cupons de sorteio pelo mundo afora. Levar um amigo na aventura é uma exigência tão clara quanto querer que o carro venha com volante.

E assim como o jeito para se manobrar numa baliza, homens e mulheres levam suas amizades de maneiras diferentes. Ao descascar a cebola e separar as camadas entre os sexos, encontramos disparidades entre a turma “dos cara” e as “meninas” (fato: mesmo que tenha 78 anos bem vividos, uma mulher sempre irá se referir às suas amigas como as “meninas”).

É uma diferença que vem de fábrica, junto com os cromossomos e a opção de ou usar sutiã ou ficar entre rouco e estridente quando chega a puberdade. E como um exemplar da metade que viveu a fase da voz estranha e das Playboys escondidas na gaveta das camisas de time, compartilho em parágrafos a seguinte opinião.

O homem nasce, cresce, simula que se reproduz e acha que vê a morte no fundo de um vaso sanitário, depois de um exagero de destilados em alguma festa open bar. E em todo esse processo, lá está ele, o seu amigo. O parceiro. (o termo “brother” veio mais tarde, com a chegada dos surfistas de final de semana aos círculos de amizade). O cara que te acompanhou na festa, conversou com a amiga exclusivamente “gente boa” para lhe dar tempo de tentar algo com o seu bem-querer. E por fim, lhe consolou sugerindo afogar as mágoas, fechando o ciclo ao te apresentar para a privada mais próxima.

Para o homem a amizade é uma instituição tão sagrada quanto a turma que ele almoça junto de domingo. E se o domingo tem data, o resto da semana tem outra: a cerveja com os amigos. Tão obrigatória quanto depilação íntima e felizmente muito menos dolorosa – coisa que somos mais meninas que muita mulher para suportar.

A mesa do bar é um divã de plástico amarelo. Fala-se sobre tudo, peitos são abertos entre rodadas e rodadas do gelado liquido dourado. As chances de aumento, os colegas de trabalho que pegariam com toda certeza do mundo. As atualidades do mundo, quem posou pelada – e se vale conferir. E por fim, as notícias do futebol, boêmia adentro.

Mulheres também se reúnem, claro. Armam happy hours e “girls night out” com sessões de roupa e maquiagem na casa de uma, sujando coqueleteiras e liquidificadores com mojitos e batidas perigosamente saborosas. Mas não com tanta frequência e, principalmente, não atribuindo tanto valor ao encontro quanto o homem.

E é aí que – penso eu – mora a principal diferença entre as amizades. Que fique bem claro: mulheres também tem suas irmãs, suas melhores amigas e parceiras de guerra. Mas não constroem o mesmo altar da amizade que os homens, com um São Beto ou um São Pedrão para ser devoto.

Um melhor amigo para o homem beira um estranho homossexualismo enrustido. Com tapas na bunda, socos no ombro e xingamentos à mãe entre um único aperto de mão. Chegam a declarar saudades. A darem bronca. Vivem um verdadeiro romance entre brothers – o chamado “bromance” definido no ótimo Eu Te Amo, Cara.

São sagrados. Condição que se estende às suas namoradas e senhoras. É fato: a namorada de um grande amigo desenvolve um pênis no momento que ele declara que por ela penduraria suas long necks. O amigo pode achar gostosa, atraente, chega a compartilhar essa informação. Mas a traição desse valioso pacto é uma atitude mais mal-vista que encoxar a mãe na fila da hóstia.

Está escrito na página 12 do “Manual do Melhor Amigo”: o homem que pegar a namorada do outro vestirá para a turma toda a mini saia rosa da hostilidade.

Outra ressalva: mulheres também respeitam o namorado alheio. Mas pela ausência do referido Altar Masculino à Amizade, são mais dispostas a esquecer essa condição quando o coração manda ou a carne estremece. O grande Chris Rock exemplificou isso muito bem com duas citações:

- “Puxa a namorada do meu amigo é sensacional. Bonita, gente fina... Quero achar alguém que nem ela!”
- “Nossa... O namorado da minha amiga é sensacional. Bonitão, gente fina... Quero ELE!”

Talvez seja a competitividade feminina, o fato de vestirem-se para outras mais que para agradar outros. Ou a ausência do assunto “futebol” para quebrar gelos e transpor barreiras entre o nome e o apelido. Mas mulheres primeiro se encaram como rivais, para depois tornarem-se colegas, e possivelmente, amigas.

Para um homem, do plantio à colheita a amizade parece ser mais fácil de dar algum fruto. Preferencialmente cítrico e verde, para ser cortado na tábua ao lado da churrasqueira.

O fato é que para saborear os doces e amargos desse doido drink chamado vida, a amizade tem sem dúvida a mesma importância que o amor. Por isso, homem ou mulher, o segredo é ter sempre borboletas no estômago e nos ouvidos, alguma música que goste.

Se não for aquela do Milton Nascimento, que seja outra. Algo como:

“I get by with a little help from my friends
I’m gonna try with a little help from my friends...”

domingo, 8 de novembro de 2009

Mulher Kriptonita










O cara é de aço. Tem olhos com laser que abrem buracos em paredes e uma visão raio-x para passar por roupas e conferir conjuntos de lingeries. Zunindo pelos ares, ele rasga céus de brigadeiro abrindo caminho entre granulados de nuvens. Salva o mundo como quem confirma presença numa reunião pelo outlook, e ainda faz tudo isso vestindo um colant azul e uma sunga vermelha por cima.

E mesmo assim, tão super que é, pode perder todos seus poderes com uma mísera pedra esverdeada lá do seu planeta. É deixar uma pedrinha dessas por perto que nosso heroí não voa, não ergue carros, não salva o dia se trocando em cabines telefônicas.

Pois é assim com homens. Não importa se é o mais sangue frio dos conquistadores modernos, que gerencia suas mulheres como um executivo administra um negócio, daqueles que demitem sem dó um pai de família. Um e-mail bonito ali, uma graça via SMS aqui, um telefonema com um gracejo acolá e pimba: usufruem uma lista de mulheres a espera de um telefone no dia seguinte, que provavelmente será substituído com uma ligação para a próxima conquista.

Recados de batom no espelho, surpresas com dias de planejamento, declarações sussuradas no ouvido... Nada e ninguém os balança ou induz a qualquer erro comum a um apaixonado. Ninguém, há não ser uma pessoa: a mulher kriptonita.

Todo homem, sem exceção, tem pelo menos uma mulher que mexe com seus sentidos e bambeia suas pernas quando aparecem, seja numa moldura de MSN ou ao vivo e a cores numa quinta a noite. Uma ex-namorada, uma paixão platônica, um caso mal resolvido que para todo sempre ficou marcado num coração que parece de pedra.

Elas são atemporais. Não importa se foi num baile de debutante, com ela indo embora da sua vida e da festa no carro de um primo mais velho. O tempo perde feio para a intensidade de um amor que um dia acertou em cheio. O reencontro pode acontecer 10, 20 anos depois. Será a mesma sensação quando ele se viu pela primeira vez completamente rendido por sua paixão.

A presença da sua kriponita faz um homem perder tudo que a vida amorosa até então lhe ensinou, todo seu encanto ensaiado, seu tão acertivo charme de sempre parecer que não se importa, com um sorriso misterioso. Tudo vai por água abaixo, como as lágrimas que um dia rolaram pelo seu rosto, justamente por ela.

A mulher kriptonita sabe do seu encanto. Do seu poder. Sabem – ou sentem - que tem total controle, como um marionete tem dos seus bonecos. E qualquer tentativa de disfarçar só deixa mais claro que ele se altera com sua presença. Aparecem para nos testar, para por a prova nosso poder de regeneração quanto a pior das dores – a de um coração partido.

Elas estão por aí, nas esquinas da vida. Como a última barreira, o último vilão que todo homem (super ou não) precisa vencer para mais uma vez ser o heroí do dia e salvar o mundo.

O seu mundo.