quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O Prazo















São meia noite e meia. Meia noite e quarenta, agora.
Isso mesmo meu amigo, dez minutos se passaram e essa barrinha piscante queimou largada (no sentido atletismo do termo) algumas várias vezes.

Mas você não é bobo. Posso tentar, mas não adianta. Todo mundo sabe que o xaveco crônico de escrever sobre não ter o que escrever é mais batido que um “você vem sempre aqui?” após algumas de limão.

O fato é que enquanto não somem com meu teclado, preciso dar forma a este texto. Como as obrigações de nossas vidas e do leite tipo A na geladeira, existe um prazo a ser cumprido. Respeite-o, ou sinta o azedo de suas conseqüências no orgulho e no estômago.

Agora mesmo, nessa fria madrugada, me vejo sentado frente à obrigação de conseguir até amanhã enfileirar palavras nesse reciclato, colocando-as numa ordem que componha um texto interessante para você, e principalmente, para o mais exigente dos críticos: eu mesmo.

Disse o Chico Buarque ou João Vicente, não lembro bem, que “o prazo é minha musa inspiradora”. Para mim, agora ele não passa de uma paquera no vagão do metrô, que sei que com o desanimado anúncio da próxima estação (que a temperatura do meu pé agora indica ser inverno polar) logo vai levantar e seguir para o seu compromisso.

O meu, é com a cama.

Boa noite.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Marcelle Night Out



Sexta feira, 9 e meia da noite. Para muitas mulheres, a hora da verdade.

É hora de rímel e batom, de delinear com precisão cirúrgica o contorno das bandeirolas do flerte, que tremulam e sacodem ao vento para mostrar ao cego, surdo e mudo do macho alfa ou Beto (conheci um que era muito bonitinho) que ali tem uma Mulher.

Nessas noites de lua cheia (peraí, São Paulo tem lua?) mulheres cheirando a sabonete com hidratante espalham peças e vestidos pela cama, escolhendo com um turbante de toalha como ficar linda para mais uma noite de procura, mesmo que não tenha intenção alguma de encontrar alguém. (ou com essa mentirinha muito bem construída para si mesma)

Tudo pronto, uma checada no espelho, preparando o Avião antes da decolagem. Peito? Check. Cabelo? Check. Mãos? Check. Agora, o gran finale. O perfume. O cheiro que vai misturar com nossos ferimônios e puxar como uma mãozinha de um enebriante vapor narizes e bocas masculinas entreabertas. Uma esbaforada no ar e um passo a frente empinando o queixo, como uma maratonista da sedução cruzando a linha de chegada. Tudo para chegar ao lugar mais alto do pódio, mais fácil de beijar se usar um salto bem bonito.

Olha. Tentei. Já foram três paragrafos no capricho. Mas quer saber? Não levo jeito para esse negócio de crônica, narrativa ou texto. Escrever tudo aquilo ali em cima foi tempo! E sinceramente, qualquer parágrafo que a barrinha piscante vá e volte mais de três vezes parece mais indecisão do que escrever para o “GatoBH” (recomendo “solteiros 30 anos”, do UOL). Tudo parece muito bonito, mas na hora de contar assim, com palavras, fica difícil. No Sex and The City a Carrie escreve muito bem, conta da sua vida com graça e leveza, uma maravilha. Mas ganha em dólar e recebe um par de sapato para cada fala que erra. Aí é fácil!

Quero é contar minha história. Acho que é o que importa. Né não?

Agora que você sabe o que acontece com todo o Brasil solteiro, te conto o que esse dia é para mim, que também é solteira. Precisamente, o que foi faz duas semanas. Para Marcelle, (ah sim, muito prazer!) essa sexta-feira foi dia de supermercado. “Nossa, que encalhada”, você pensa. “Pelo menos não tenho namorado brocha”, eu penso. “Que grossa!”, e eu penso numa desculpa. Mas não sou encalhada. Acontece que exclusivamente nesse dia, a Dé, a Rê e a Má tinham saído, cada um para seu canto. O Carinha da Academia, o Paquera do Trabalho e o Pegueti da Balada haviam sido convocados para uma noite de diversão, prazer e cartão de crédito (não necessariamente nessa ordem), me deixando sozinha para a noite.

E eu? Bom eu tava bem assim, sozinha como teclo agora, mas sem o cigarrinho no canto da boca - meu péssimo hábito dos tempos de debutante. Sexta, minha amiga, era “Marcelle night out”. Aluguei um filme bem animado, Meu Primeiro Amor, e segui para o supermercado, onde faria um romântico jantar a dois, eu e meu ego com vinho e queijo francês. Tinha acabado de sair do trabalho, com bolsa debaixo do braço e dos olhos. Estava cansada. Cansada de tudo. De homens cafajestes, que são bonzinhos e perdem a graça. E de homens bonzinhos que na verdade são os piores do mundo mas tem toda graça por serem cafajestes, e por isso, acabam por uma estranha coincidência a perder seu número todo dia seguinte. E para coroar, te fazem esperar sentada até o dia que a encontre, sem fila indiana ou retirada de senha, mas pronta para levantar quando gritam “próximo!”.

Essas coisas que acontecem com minhas amigas, nessa simplicidade inerente a toda mulher.

Fica registrado nesse papel que não pensei em tudo isso enquanto caminhava pelos supermercado. Foi tudo muito mais rápido. Se você olhasse pela camera de segurança ia ver que passei pela entrada, com duas portas automáticas se abrindo ao meu charme, peguei minha cestinha e fui direto a sessão gourmet. Segui até a prateleira, repleta de vinhos de uvas e safras variadas. Aiai. Será que lá havia a minha? Um belo rótulo, com uma letra bem serifada e sem celulite descrevendo para sua seleta clientela de apreciadores “Marcelle Cabernet Souvignon Moulain Rouge, safra 1978, mas com uma garrafa de 22 anos. Um belo exemplar de Barueri, feito de uvas quase maduras, muito doces e macias ao paladar.”

Risadinha tonta. Como uma camponesa a fazer xixi na moitinha, elegantemente me acocorei em frente a prateleira, percorrendo com os olhos a parte inferior da prateleira. O cheiro forte dos toletes de parmesão, do sapólio industrial que lustrava o chão, do maderado cheiro de loção pós barba, tudo... Loção pós barba? Viro lentamente ao pensar essa última frase. Bem acima, ele. E-L-E. Mais que um gato, um felino. (eu sei que é a mesma coisa, mas só falei isso para você entender bem o quanto ele era bonito.) Barba por fazer, olhos verde meio azeitonados, desses que ficam mais claros quando batem a luz. E mesmo com naquela luz fria e hospitalar do supermercado, ficavam lindos. E lá estava ele, parado, olhando para mim. O que ele queria? Pedir licença? O meu número? (do celular ou do manequim?) Um sorriso se abria lentamente, como uma persiana que deixa entrar a luz dourada de uma manhã de domingo. (não foi bem assim, você sabe. Mas serve para efeito de comparação.)

Me ergui com toda compostura do mundo, quase tombando para trás num súbito desequilíbrio (faltou por a mão na testa e se jogar para o amparo de seus braços). Sorrisinho para disfarçar o ocorrido, empurrada de cabelo para trás... (mostrar um pouco de pescoço, tá indo bem Marcelle, continue assim.)

- Oi, tudo bem?. - ele diz entre a sua persiana. Que comece a paquera!

- Tudo bom e você? - Respondo com aquela simpatia calculada.

- Tudo bom... Os olhos de azeitonas mudam do meu rosto, para a prateleira. Voltam para mim. Está procurando o que falar. Pode vim amigo, que tô preparada.

- Procurando um vinho?

Por mais óbvia que seja a pergunta, eu acho o máximo e concordo com balançar afirmativo de cabeça, acompanhado de um sorrisinho de fingida surpresa. Duas opções. Ou ele leu isso na sessão “Dicas pra catar a mulherada” enquanto esperava o seu corte no barbeiro, ou ele realmente se interessa por vinhos, comida e mulheres bonitas, o que explica ele estar ali falando comigo. Independentemente da resposta, tudo que queria era uma gravata borboleta e um bloquinho de pedidos. “O senhor aceita um Marcelle Cabernet Souvignon?”

Aceito a sugestão do Persiana. Aliás, poderia ser uma belo Sang´de Boá que estalaria os lábios depois de dar um gole do mesmo jeito. Ele ainda se ofereceu para levar a cestinha, passando a frente para indicar o caminho. Que homem! E que bunda! (sempre gostei de calças de terno, que conseguem ser justas sem serem de bixona). Chego ao caixa, ele já posicionou as coisas na esteira, caindo por terra a teoria que deveria correr mais numa dessas.

Estica os braços torneados e bem educados, pega o primeira garrafa e passa pelo leitor de código de barras. Pega um queijo e repete o movimento. Que brincadeira tonta! Deve ter lido naquela mesma matéria “como catar a mulherada”, provavelmente na sessão “seja engraçado, sempre cola”.

Me dá um sorriso, mais tímido. Deve ter visto que não deu muito certo. Pega o outro queijo, e com o BIP do laser lendo as barrinhas pretas que vejo. Pendurado no pescoço, um “posso ajudar?” gravado em caixa alta sob o plástico laminado do crachá.

E ali fica, igual a um pêndulo balançando de um lado para outro, como que dizendo:

“Hoje não Marcelle. Hoje não.”

sábado, 7 de junho de 2008

Dia dos Namorados



Chega o inverno e com ele, o vento. O sopro de gelo que roseia nossas bochechas e treme nossos queixos, e curiosamente, aquece até mesmo os corações dos mais convictos micareteiros.

Você mesmo pode discordar de início, mas não há argumento maior que o vapor de uma sopa pronta e uma reprise de “Cidade dos Anjos” para provar o efeito do frio na curiosa vontade ligar para um ex, que no inverno, sempre tem vez.

“Quem bate? É o frio, e minha grande amiga, a carência.”

É este mesmo frio que encolhe seus ombros quando caminha na rua, que te faz perceber que a solidão não se limita àquele curto passeio. Para você, triste projeto de picolé, falta outro ombro ao lado, para enlaçar com o braço e puxar ao seu encontro. Mais que um corpo quente, um edredom feito de agasalho e pele macia, com um travesseiro de cabelos lisos e perfume de recém-lavados.

O vento, o mesmo que no calor do verão empina pipas, desfaz penteados e levanta saias e torcidas, quando no inverno entra pela gola do agasalho ou se esgueira entre as camadas de cobertores, atiça o mais desejoso dos romantismos. É ele quem envia flores, escreve cartas de amor, toma pelo braço e conta toda uma paixão com um beijo de curvar as costas.

Aos que namoram, vale a fábula da Cigarra e da Formiga. A Formiga foi para Monte Verde no feriado, ao cinema na sexta, teatro no sábado e levou cunhadinhos ao Hopi Hari num domingo nublado. A Cigarra exagerou na cerveja e se perdeu na balada, dormiu abraçado com coisas que não se deve abraçar e conheceu muita gente interessante que nunca saberá como são a luz do dia. Quando chega o inverno, a Formiga está tranquila para o rigor da estação. E a Cigarra, esta fanfarrona, treme castigada pelo frio sem um exemplar do sexo oposto para alojar seus beijos e abraços.

Fábulas a parte, no mundo real uma verdade é inegável: no inverno, dormir de conchinha torna-se mais valioso que um maço de Marlboro em pátio de penitenciária.

E para completar a vontade inerente as baixas temperaturas que a garota do tempo anuncia, é pela metade do mês que a solidão dos transeuntes desacompanhados se confirma. Para os gringos é Dia de São Valentim. Por uma trocadalha coinscidência, Valentim foi um padre muito corajoso. O senhor de saia preta ignorou a ordem do imperador romano Caldeus Segundo de proibir casamentos entre jovens apaixonados, e por isso, sussurrava “você agora pode beijar a noiva, meu filho” no porão de sua capela. Denunciado por um penetra, o padre foi preso e morto, não sem antes mandar cartas de amor para uma freirinha que sempre achou jeitosa – uma última tentativa de saber o que tem de tão legal nas coisas que escutava no confessionário.

Além de um legado de ousadia, romantismo, e a necessidade de uma lista de convidados, o Padre deixou a herança de um dia dedicado a declaração do afeto, numa sinceridade açucarada com paquera. Do café com selinhos ao chantily com lambidas, casais de todos os romances e intensidades fazem do dia o agradável pretexto para caprichar ao dizer o que sente.

Na nossa fábula, tanto açúcar e chantily acabam servindo como recompensa ao árduo trabalho da Formiga. A Cigarra, que cantou alegremente por todo verão, agora abre seu case de violão na praça e pede moedas tocando músicas do Radiohead.

E enquanto o frio não passa, ela canta a espera de um vento igualmente gelado, mas refrescante como hortelã. O mesmo que desfaz penteados, empina pipas e levanta saias, sopra para longe corações recortados de cartolina vermelha.



quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O Ano que Já Passou

Nota do autor:

Devido a recentes catástrofes naturais, como furacões, furados cães, bandos do PCC armados com PVC e e mesmíssima piada de como sempre acabo por fazer ridiculos trocadilhos, esse texto perdeu seu prazo. O ano já passou e estamos em outro, muitas semanas depois da ressaca do mar e do revellon. Contudo, asseguro para você e para mim que sua idéia e inspiração ainda se mantém. A cobrança de escrever sobre o ano que passou me veio como uma boa lembrança de verão, que entra flutuando pelas cortinas e refresca meu rosto, como a suave brisa de um caminhão com problema no carburador.


Chega o final de ano e as retrospectivas sobre o seu decorrer se tornam mais frequentes que papais noéis de varanda. As televisivas, reforçadas possivelmente pela voz do espírito de Cid Moreira, somente nos relembram e surpreendem como que essa ou aquela desgraça ainda tenha acontecido este ano. A verdadeira retrospectiva, que provoca uma reflexão genuína sobre um ano que se encerra, acontece quando a piracema dos créditos sobe tela acima e pares de pés arrastam seus chinelos até as cobertas, mantendo os olhos abertos e a mente vagando após o breu que segue o clique do abajour. A retrospectiva cerebral do que fizemos com nossos próprios 365 dias.

O exercício de pensar sobre o que de nosso ano foi bom, ruim, péssimo, ótimo ou esquecível exige das pessoas algo além de fosfósol. Primeiro, destacamos com uma caneta grifa-fatos os momentos que nos marcaram durante as quatro estações de 2007. Depois, seguindo os passos de um ad-emer da reflexão, contabilizamos tudo a partir da razão [(X/365) vezes Y], sendo X correspondente aos bons momentos e conquistas ao longo do ano. Y é “acontencimento ruim”, o fator multiplicador que pode influenciar todo resultado e dar a sensação de que nesse ano os dias se estenderam penosamente. Tudo, claro, dependendo do valor que se atribuí para cada incógnita.

Mas o meu ponto não é esse. Para lhe ser bem mais sincero, escrevi esses parágrafos com a melhor das itenções, mesmo que muito ciente do quanto o mármore do inferno está imundo delas. O ponto que ranquei duas linhas de sua atenção para chegar é o cerne da minha singela tese e fruto de divagações de metrô: a cada ano que passa, o ano passa mais rápido.

Pensar nisso esbarra, tromba de frente e derruba todas as compras da teoria da relatividade. A teoria do clichê de cientista linguarudo, simplificada na sabedoria popular como “tudo que é bom dura pouco”. Em termos práticos, algo como a comparação de se enfiar num edredom por uma tarde chuvosa com uma charmosa desnuda. Cronometre. Agora espere sua vez na fila do banco com uma excursão de velhinhas e mulheres com crianças de colo que abusam da Lei que as favorece (imagino que em tempos de internet banking, existam exemplos infinitamente melhores). Se você não sentir a discrepância de como o tempo passa, é bom que troque de namorada, arrume uma logo ou pelo menos me conte que banco costuma frequentar.

O curioso de tudo é que a sensação da rapidez acumulativa dos anos que fiam nossas vidas aparenta ser comum para todos. O longo suspiro que segue uma conversa e emenda com a frase “é.. parece que foi ontem”, não se limita mais aos que já viram muitas primaveras ou choraram quando o Tancredo Neves morreu. Nossa própria geração e a vida em banda larga que levamos conduziu a uma necessidade de suposta eficiência e rapidez para tudo, nos pressionando com o prazo de um astronauta que deve explodir o asteróide que cairá na Terra. Queremos o emprego de salário máximo seguido do de mínimo e a namorada para passear de mãos dadas seguida do pé na bunda. O que é relativo hoje em dia é quantas voltas de ponteiro, quantos dias do calendário passarão até que o próximo chegue, num círculo vicioso que a morte transforma em reta.

A busca pelo próximo momento acaba por nos privar do agora. Como se chegássemos no destino, pensando em acordar cedo para o próximo check in. Não que considere que devemos portanto viver ultra intensamente o agora, espalhando-se sem rumo por aí como um hit do Bob Dylan. Pensar só e exclusivamente no presente tira a graça de vê-lo embrulhado debaixo da árvore de natal, naquela ansiosa espera que deixa mais gostoso o glorioso dia de rasgar o embrulho com os dentes cerrados.

A sensação de rapidez temporal que sentimos depende de como lidamos, diariamente, com o voar acumulativo das décadas, anos, meses, semanas, dias, segundos e palavras.

Não estou questionando a teoria da relatividade. O “Tudo que É Bom Dura Pouco” se mantém, é claro. É injusto com a própria fila do banco compará-la com o mesmo período de tempo dentro de edredons abafando “Sexual healing”. Meu ponto é que os anos teimam em aparentar passar mais rápido parte também por culpa nossa, por focarmos no feriado “sem ser esse o próximo”, nas promessas do ano que vem, nos boletos a vencer.

“Bons tempos, parece que foi ontem né?” Pois faça o hoje ser um ontem tão bom como aquele! Guarde as fotos, os videos e as lembranças-que-fazem-rir-sozinho como um repertório, como condicionamento felícico (felicico, do lattim felicidade) para quando o próximo dia como aquele chegar. Algo como o fato de estar sentado numa cadeira de praia, de frente para o mar e de lado para um cooler, ser tão agradável que te lembre em fazer isso mais vezes. O suficiente para aproveitar aquele momento e se recordar que na finita linha reta ainda há tempo para tê-lo de novo, com a inevitável vantagem de ser sempre de um jeito diferente.

Pensar no futuro é bom, vivê-lo, com a intensidade que este negrito empresta, é melhor ainda.