terça-feira, 23 de novembro de 2010

XV de Piracicaba
















Que o Brasil é o país do futebol todo mundo sabe.

Este belo esporte bretão se adaptou ao Brasil como um gringo em uma praia de areia branca a bebericar caipirinhas. São 800 clubes profissionais, 13 mil times amadores e uma rápida pesquisa no Wikipedia que só confirma uma paixão nacional que dispensa maiores comprovações.

Na vida social de um brasileiro, o futebol é a luz no fim do túnel da falta de assunto. Ele transita livre por todas as classes sociais, une opiniões e promove debates. Melhor que qualquer variação brusca de temperatura ou chuva inesperada para cortar o silêncio de um elevador subindo andares.

Futebol é chute de voleio que bate na trave e entra, é defesa de mão trocada aos 45 do segundo tempo, é o sorriso irônico ao colega de trabalho depois da rodada do final de semana.

Futebol é tudo isso. E muito mais. Mas não para Luiz Augusto. O rapaz nasceu com uma sina, um mal que não conseguia tirar, por mais que tentasse. Luiz era réu confesso de um pecado mortal que o acampanhou das aulas de Educação Física aos olhares perplexos em mesas de bares.

Para ele – pasmem - futebol era um esporte como outro qualquer.

Não que desprezasse por completo. Era como uva passa em uma torta de maçã: não fazia falta muito menos marcava presença.

Nessa última Copa do Mundo torceu com tamanha fé e afinco para a Seleção que quase convenceu. Xingava a televisão, bradava comentários como “Zagallo, coloca o Romário!”. Chegou a ficar verdadeiramente triste com a eliminação da Seleção. Mas entre nós: muito mais por que ia deixar de sair mais cedo do trabalho para churrasquear com os amigos.

A vida corria bem para nosso anti-heroí, que em anos de prática havia se tornado mestre em comentários genéricos sobre o tema e imperceptíveis mudanças de assunto na mesa do bar. Tudo ia tranquilo, até que um namoro entrou pela sua vida. E para sua sorte, Letícia também não era apegada as maravilhas das quatro linhas em um tapete gramado.

Tudo certo. Até que em seis meses , este dia chegou.

Sentado na comprida mesa de almoço de domingo, o recém-apresentado Luiz Augusto engolia entre garfadas sua timidez e receio pelo fatídico assunto. O almoço corria bem, com Luiz seguindo a voz materna que ecoava ordens de elogiar, agradecer e repetir o prato. Mas etiqueta nenhuma o salvaria do limbo:

- Então Luiz... Que time você torce?

A perguntou veio acompanhada dos olhares inquisidores de primos, irmãos e o grão-mestre daquele conclave: o sogro. Um homem de seus 50 e poucos anos, de vistoso bigode, careca e barriga acentuadas, com uma voz firme de quem não gosta de ser contrariado. A expressão de Letícia denunciava um misto de pena e presságio de vergonha alheia, enquanto revezava o olhar entre o pai e o namorado como quem acompanha uma acirrada partida de tênis.

Durante meses Luiz Augusto disfarçou o suor frio que corria sua espinha com as histórias do fanatismo de seu sogro pelo Sport Club Corinthians. Mas para isso, o jovem havia preparado uma carta na manga. E respondeu com a firmeza de quem em seguida beija o escudo do time.

- Sou XV de Piracicaba, desde criancinha.

Os Albuquerques se entrelhoaram, entre curiosos, surpresos e sadicamente um pouco decepcionados por ele não ser torcedor de nenhum dos times rivais. O grão-mestre externou a curiosidade da família:

- Mas... E aqui em São Paulo, qual você torce?

- XV de Piracicava também. Sou quinze onde for. – Um ator da Malhação seria mais convincente que ele nessa resposta. Mas passou. O plano estava dando certo.

O sogro soltou os talheres no prato. Luiz Augusto não sabia o que veria em seguida. O “tio” olhou sério para o canditado a genro, pensativo.

E abrindo um lento sorriso, começou a cantar com o mais legítimo dos sotaques caipiras:

- Cáxara di fórfi, carcanha de grilo. Suvaco de cobra, asa de barata! Garrafão de pinga, nhéque de portêra. Jaquetá de côro, já que tá que fique! 3 veiz 5 é...

Por um milagre da perspicácia, Luiz Augusto completou:

- Quinze!

O sogrão soltou uma risada alta.

- Esse hino é demais! Quem diria, um torcedor do XV. Sabe que admiro quem fica com o seu time, seja o tamanho ou aonde estiver. Não sei se a Letícia já te contou, mas eu já vi muito jogo do XV de Piracicaba. Meu querido vôzinho, que Deus o tenha, tinha um sítio por lá e era torcedor símbolo do Quinzão. Pediu para ser sepultado de uniforme e tudo.

Fez uma breve pausa, em silêncio respeitoso, e continou, todo animado:

- Vamo lá, essa você sabe Luizão. Com sua idade, você teve a sorte de ver o timaço de 95.

Com o pouco de coragem que lhe sobrava, Luiz foi all in na ousadia futebolística:

- Ô se lembro, tio. Time assim não se faz mais não. Uma seleção!

O sogro olhou para Luiz Augusto, cerrando os olhos. A fatia do abacaxi tremia no garfo do rapaz. Parecia que suspeitava de algo. Ou queria lembrar alguma coisa. Prosseguiu:

- Era Zé Wilson no gol, Jair, Tonhão, Ari e Danilinho fechando a lateral esquerda. O meio era só craque: Afonso, Curupira - volante dos bons - Chico Bahiano e Gera, o rei das faltas. Na frente tinha o matador do João Ramiro, junto do... Do...

Fez um sinal de fast foward com as mãos, pedindo para que Luiz completasse. O esforço do sogro para lembrar era tamanho que parecia que estava prestes a espirrar.

Luiz Augusto estava desesperado. Olhou para os lados, como que a procura de um milagre, de uma enciclopédia do futebol aberta na página certa. Só encontrou olhares desconfiados dos “primos”, de complacência da namorada e de impaciência da empregada, que esperava eles encerrarem o papo furado para perguntar quem queria mais café.

Em uma tentativa desesperada, buscou o recurso que sempre usou: mudar de assunto. E num impulso, a resposta saiu como uma súplica, quase como a confissão de que na verdade ele não sabia nada de futebol.

- O cafezinho!

Silêncio na mesa. Testas franzidas. Risadas seguradas, imitando um relinchar abafado de um cavalo. A resposta cortou imediatamente o “espirro”, fazendo que o sogro levantasse lentamente com o dedo em riste, apontando para o apavorado rapaz.

- Esse mesmo! - Disse isso estendendo o "e", como um cientista que grita "eureka" . - Craque. Que neguinho mais bom de bola, dava gosto de ver né não?

O almoço encerrou, com Luiz aprovado com um tapinha nas costas e um convite para ver um jogo do Timão, na feliz condição que ele não fizesse nenhum comentário contra o alvi-negro paulista.

Satisfeito, naquele dia Luiz Augusto voltou para casa cantarolando. A música? “Asa de barrata, carcanhá de grilou. Treis veiz cinco é quinze. Xis Vê, Xis Vê!”

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Namoro





















É fato. Textos românticos que começam com citação de dicionário são manjados, superficiais e mela cueca como o teclado de uma música do Bon Jovi.

Mas como eu tenho o mérito da ousadia, visto que dei um título desses a essas singelas linhas que tenho o prazer de ter seus olhos a segui-las, vejamos o que o Aurélio tem a dizer sobre “namoro”.


na.mo.ro

sm (der regressiva de namorar) 1 Ato de namorar. 2 Galanteio. 3 O namorado ou a namorada.

Certo. Realmente não foi a definição mais esclarecedora do mundo. Mas isso só me ajuda a tentar criar a minha versão sobre o que este título implica e significa na vida de uma pessoa.

Primeiro. Por que as pessoas namoram? Antigamente era claro. O namoro era simplesmente uma ante-sala para o casório. Aliás, nos tempos do meu e do seu bisavô o item número 2 da definição acima era de fato feito na sala, com a companhia vigilante da futura sogra em um sofá por perto.

Hoje, este objetivo ainda existe. Mas como algo distante, longe, deixado para pensar depois com uma conta bancária razoável ou a certeza que o matrimônio valha outra tentativa. A prioridade é ser feliz, e agora. Namora-se por que você simplesmente gosta de quem você escolheu depositar todo seu afeto.

Mas será que é tão simples assim?

Surge então uma inevitável pergunta: com a desobrigação do casamento em cada namoro e um vasto mundo de oportunidades para solteiros e solteiras se lambuzarem no mel da conquista, por que as pessoas ainda escolhem o doloroso risco de ter seu coração partido? Afinal, a vida em voo solo está aí, com todas as vantagens da liberdade de fazer e pegar quem bem entende.

O “affair” da revista Caras, o “ficante” da revista Capricho, o “fuck friend” da revista Nova só mostram o quão normal e corriqueiro o romance sem compromisso está. Uma fase de “curtir a vida” é bem vinda, e valorizada. Dá para viver muito bem saindo para onde quiser e sem número certo para boa parte dos nossos telefonemas.


Na teoria, é possível preencher toda nossa inerente carência por cafunés sob o cobertor e mensagens de texto lidas com um sorriso visitando tudo que nos apetece no cardápio. Satisfazendo-se com romances simples e apetitosos como um macarrão carbonara.

Na teoria. Pois na prática, quando chega a frechada do cupido ou o tiro acerta o Álvaro, entra em vigor um antigo ditado sertanejo: “cavalo selado não passa mai de uma veiz”. O recém contraído frio na barriga é acompanhado de um leve e intuitivo desespero, de algo que lhe diz que se você deixar esse potro passar vai ver embora com a poeira na estrada uma baita chance de ser feliz. Ou pelo menos viver assombrado com a dúvida do que seria um passeio a galope.

E esse imprevisível senso de urgência é o primeiro sintoma da paixão - a faísca que começa namoros. Coisa que depois, aos poucos, vai virando algo maior que nem eu, você, ou fogo que arde sem se ver consegue definir.


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Um Lugar Chamado Itaim Bibi









José Luis era um rapaz do bem. Como eu, você e seu vizinho que um dia emprestou o abridor que tornou possível o macarrão com sardinhas. De gostos simples e luxos pontuais, batalhando pela dura ascensão profissional e por boas risadas ao lado de boas companhias.

E aquela tarde de quinta-feira iria lhe trazer a mais inusitada delas.

- Ô seu surdo! Vai fazer o que hoje?

Assustado pela cutucada insistente no seu ombro, Zezé tira os fones do ouvido e olha para seu chefe sem compreender a pergunta.

- Tô com convite para essa festinha aqui, coisa boa. Não vou poder ir. Quer?

Sem muito tempo para processar a pergunta, Zé sem querer acaba olhando os dentes do cavalo dado.

- Ahhh... Onde é?

Um pouco impaciente, o superior lhe responde com o tom blasé que o lugar pedia, antecedendo sua resposta com um suspiro.

- É um VIP para aquela Secret Elephant Lounge, sabe? É nova, só vai gente famosa, bonita, do mercado.

Zezé sabia de nome. E preço. O point dos chiques e famosos de São Paulo devia ter um preço com o sabor do sal que acompanha as tequilas e margueritas servidas por lá.

Pensou em uma pista repleta de caras com camisas pólo justas, com cavalos gigantes estampados no peito. Talvez um casaquinho amarrado no pescoço pra completar o look. Por milésimos de segundo, ensaiou mentalmente uma recusa educada. Por outro lado, pensou em meninas de calças justas, maquiadas, com perfumes que convidavam a beijos no cangote e drinks com gosto de hortelã. E arrematou sua elucubração com um “Por que não?”

- Ahh sei cara. Animal! Pô, quero sim. Brigadão!

- Beleza. Depois me conta como foi então. Só não vai fazer que nem na festa de fim de ano daqui, hein?

E sai rindo de sua piadinha. Zezé não entendeu muito bem o motivo. Ou melhor: não lembrava.

Gel no cabelo, camisa de manga dobrada, Ford Ka devidamente abastecido, 60 reais em notas de dez na carteira: nosso herói estava pronto para sua noite em voo solo.

O lugar preenchia suas expectativas. Era exatamente como tinha pensado. Abarrotado de cavalos gigantes estampados em listras e lindas garotas em saias justas. Pelas mesinhas, luxo, requinte e garrafas de Veuve Clicquot suando em baldes prateados. Ao fundo, uma pista de dança carpetada com um lustre indicando o centro com sua luz brilhante e levemente amarelada.

Zezé deu uma volta de reconhecimento de território e partiu para o elegante bar, com um balcão de madeira escura e com uma bela prateleira ao fundo, expondo o valor do seu carro em finas bebidas alcoólicas.

- Um uísque, por favor.

A dose veio caprichada. O líquido, de um dourado quase alaranjado, prenchia o copo alto até a boca. O primeiro gole desceu macio, acompanhado do charmoso tintilhar dos cubos de gelo contra a borda de vidro. O que sucedeu em seguida foi uma contagem regressiva para a loucura. O tempo voou na velocidade dos seus dez pedidos de “amigo, vê mais um”.

A partir desse momento, sua noite foi pontuada por cenas em flashes de teletransporte.

Se viu na pista de dança, conversando com uma morena. Dançando. Rindo para a dona da boca que sorria e mordia o carnudo lábio inferior. Beijando um pescoço perfumado. Errando a mira no mictório. Dançando com um formoso quadril encaixado nos seus. Sendo fotografado. Pressionando a morena a uma coluna, exercitando seus lábios imitando o gracioso nadar de uma lula no fundo do mar.

E por fim, de mãos dadas. Entrando no banco de trás de um carro branco com motorista, que rasgou pela avenida em direção a um fade-out.

Acordou com as sequelas de um atropelamento: boca amarga, garganta seca, têmporas latejantes.

Abriu os olhos lentamente. Os riscos de luz que entravam pela fresta da persiana doíam sua cabeça. Estava sozinho, de cueca nas suas cobertas e abafado pelo alcool que seus poros evaporaram pelo quarto.

Fechou os olhos e dormiu de conchinha com sua ressaca até tarde de segunda.

Caminhou pelo corredor do escritório distribuindo seu “bom dia” habitual, com o atraso de rotina e o cabelo desgrenhado de sempre. Mas algo de estranho vinha pelas respostas aos seus cumprimentos. Algo de “quero muito te perguntar uma coisa”, de que tem algo para dizer além do bom dia recíproco.

De fato, alguma coisa repousava no teclado do seu computador. Por um triste instante, pensou se tratar de um pedido de trabalho. Se aproximou do computador com um resignado suspiro. Mas era uma revista, dessas de fofoca. Na capa, um casal aos beijos em uma pista escura. Na parte inferior, uma tira de 4 fotos do mesmo casal em diversos momentos de pura sedução, finalizando com uma foto dos dois caminhando para um táxi.

E por cima de tantas imagens, uma legenda em letras garrafais:

“Megan Fox, em São Paulo, flagrada em beijos quentes com affair brasileiro.”

Lentamente, Zezé tirou os olhos da revista que segurava com as duas mãos. Uma roda havia formado a sua volta, perplexa. Curiosa. Atônita.

A foto não mentia: o beijado da capa era ele.

José Luis. Um rapaz do bem. Como eu, você e aquele cara que saiu na capa de todas as revistas, sites e publicações possíveis, cujo celular vibrava no bolso um número meio estranho.

sábado, 24 de julho de 2010

Não é Cutoco, é Carinho





















A casa quase vazia de uma família completa dorme. No aconchego do silêncio, os móveis estalam, como que se espreguiçando. Na sala de jantar, o pêndulo do relógio de corda nina o sono dos seus números e ponteiros. Alguns motores a diesel passam roncando pela rua, longe de atrapalhar o ronco nasalado de quem dorme.


No quarto de casal, a mãe dorme com seu caçula, de 4 anos. Uma viagem de trabalho do pai deu ao pequeno a responsabilidade de homem da casa, o colocando na cama dos pais sem o medo de um pesadelo ou de um barulho estranho lá fora.

O garoto tinha cabelos pretos, lisos, recortados no molde de uma tigela de mexer massa de bolo. Usava a roupa que para qualquer outra idade seria o cúmulo do ridículo: um pijama azul marinho, desses que o zíper corre pela barriga, com meias embutidas nas calças.

Dormiam tranquilos, ela com sua habitual almofada entre as pernas, ele com um travesseiro chamado Nana. Aproveitavam o descanso de um sono silencioso, tranquilo, de longas respirações carregadas de conforto.

Tudo confluía para uma ótima noite de sono, até um intruso aparecer. Mais precisamente, um pé.

Vestindo suas meias embutidas, o pé passa pelas pernas da sua mãe, como se fosse acender um fósforo nas suas canelas.

No mesmo instante, ela abre os olhos. Acorda bruscamente, assustada. Olha para o lado. Mas logo, a surpresa do gesto repentino é substituída pela ternura de ver seu filhote dormindo. Sorri, passa a mão nos seus cabelos. Encaixa a cabeça na fôrma já deixada no travesseiro, e empurra com um suspiro qualquer tentativa de seu corpo não deixá-la voltar a dormir.

Mas logo antes do sono chegar, o pé novamente risca sua canela. Abre os olhos e vira-se para o menino, que dorme profundo. Agora com um pouco menos de intensidade, o carinho maternal prevaleceu. Lentamente, volta seu corpo para posição original na cama e fecha os olhos.

O primeiro sonho estava pronto para passar. O sono com ajuda do edredom a envolvia e encaminhava seu corpo para um merecido descanso. Até outro pé passar por sua perna. De novo. O suspiro de ternura agora vira um sopro de impaciência:

- Filho, para de me cutucar. Poxa, terceira vez já.

O menino abre os olhos, denunciando que o sono não era tão profundo assim. Olha fundo para a mãe, pensando em cada palavra. E com firmeza, responde. Curto.

- Não é cutuco, mamãe... É carinho.

Desce da cama como quem desce de uma mureta alta, encostando primeiro os pés no chão com ajuda dos braços no colchão. Com um metro e 10 cm de orgulho, pega sua Nana e sai do quarto arrastando seu pijama de meias embutidas.

A mãe fica deitada, pensativa. Arrasada. Perdeu a paciência por um gesto de carinho. Tão inocente, tão puro... Tadinho. Um sentimento de culpa tomou seu corpo, que logo a tirou da cama.

Encontrou o menino no sofá com sua Nana e cobertor, fazendo força para fechar seus olhos. A cena era de apertar o coração. Agachou perto dele, passou as mãos pelo seus cabelos.

- Filho, vem dormir com a mamãe. Não fica aí...

Sem abrir os olhos, com a boca abafada por sua Nana, responde:

- Não era cutuco. Eu te fiz carinho e você falou que era cutuco. Era carinho.

Ela suspira, entre achando graça e com peso na consciência.

- Eu sei... Desculpa. Vem pra cama, vem.

- Não, quero ficar aqui.

O garoto estava decidido. O orgulho havia se tornado manha de criança. A mãe entra no jogo.

- Então tá bom. Você quer ficar mesmo aí?

- Quero. Vou dormir aqui.

A mãe volta ao quarto e se deita. Tinha feito o certo. Chamou ele duas vezes, insistir seria demais. Seria incentivar um comportamento errado, de criança mimada. Em breve ele voltaria para a cama e todos cutucos ou carinhos se resolveriam. Ficou deitada acordada, revesando os olhos entre o teto e a porta meia aberta. Passam longos minutos e nada de pézinhos caminharem para dentro do quarto.

Lentamente, o sono a envolve.

Dorme com uma sensação ruim no peito. De sacrifício por ter deixado o caçula sozinho no sofá, com um cobetor tão fino, por um motivo tão bobo.

Tudo confluía para mais uma noite de sono, até um intruso aparecer. Mais precisamente, um pé.

E logo em seguida, um sorriso.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Um Segredo









Pelo que vi de filmes e li de orelhas do famoso “O Segredo”, o que importa é querer muito alguma coisa. Mas muito. Querer mais que o Corinthians quer a Libertadores, querer mais que todos os outros times do Brasil que este dia nunca chegue para o bem geral do sarro. É o “querer” é o que tem a força nessa história toda. É só querer que o universo, tão bonito e misterioso como capas de CDs nos mostram, conspira a seu favor. Queira bastante que ele arranja o blind date entre a sorte e o mais preparado para conhecê-la: você.

A história toda se resume na Lei da Atração. Segundo o livro, você emite sinais para o breu do Universo pontilhado de estrelas, que eles atraem tudo de volta como um imã Acme, daqueles em forma de U que o Coyote usa em armadilhas para o Papa-Léguas.

O raciocínio da coisa é que basicamente tudo é uma questão de pensar positivo. Ou seja, ter confiança. Oras, desde que o mundo é mundo a confiança é o que rege o sucesso de toda e qualquer pessoa. Da entrevista de emprego ao restaurante japonês de sexta a noite, confiar no taco e evitar gagueiras assina contratos e contas para a noite se apagar à meia luz.

O fato é que acreditar muito em algo ou em si não é suficiente para colocar o Porsches em garagens ou aquela morena no seu banco do carona. Mas ajuda a contribuir para que este dia chegue, como tijolos assentados aos poucos em uma parede. Uma oportunidade de emprego bem aproveitada, um galanteio bem acertado - pequenos passos que encurtam os minutos para que o esperado dia que zera a contagem até o próximo.

Penso que o propósito do “O Segredo” se mostre eficaz para coisas mais pontuais, como querer o carrão ou o sorriso que te derrete emoldurado por longos cabelos lisos.

Mas e para Felicidade? Isso mesmo, o que todos procuram e querem mais que lasanha ou qualquer outro prato que venha fumegando enquanto se saliva. O fato que felicidade verdadeira, meu amigo, não é suficiente para um mero querer muito.

Felicidade é nada mais que o resultado azul e positivo da conta entre tudo que acontece na sua vida. Pensar um isolado “quero ser feliz” todas as manhãs da sua vida só tira seu foco de todos os pontos que você precisa para ter esse resultado.

Entre todos os itens que entram na conta da felicidade, o numeral “pessoas” tem peso fundamental. As pessoas que você divide frações de seu projeto de vida, sejam amigos ou amores, são determinantes para uma conta positiva.

E começa por cada um. Curtir sua companhia, rir de si mesmo, cantar no chuveiro repetindo besteiras ditas é o primeiro passo para a Lasanha que todos procuram. Dá sabor à presença das pessoas que você escolhe para estar perto. Abre a porta para quem chega trazer o azeite, a receita especial para o molho de tomate.

Tudo que é preciso ser feito é tentar ao máximo se cercar de pessoas que te fazem bem. O raciocínio é simples: se te provoca um sorriso quando vem qualquer lembrança, mantenha por perto. Mesmo que subtraia às vezes, a alegria indescritível de fechar o balanço no azul não é segredo para ninguém.

domingo, 25 de abril de 2010

Sou Casado e Amo Minha Esposa













De frente para o círculo desenhado no espelho de um vaporoso banheiro, o quarentão Dalton se prepara para mais uma noite.

Perfume, check com borrifadas estratégicas.

Camisa social sob medida, meia aberta. Check com um botão aberto novamente.

Barba propositalmente por fazer. Check passando a mão no rosto como num legítimo anúncio da Gillete.

E por último e mais importante, a aliança. Check com uma baforada no dedo anular, na tentativa de fazer cintilar ainda mais o dourado do mini bambolê.

Avisou a mãe que estava de saída e caiu na noite - ou na night, quando a trabalho no Rio.

Há 12 anos que Dalton era um fiel marido e dedicado pai de uma família planejada nos mínimos detalhes para parecer existir. Seu matrimônio era tão bem construído que ele exalava a confiança de um homem bem casado. E as mulheres farejavam.

Na sua mesa de trabalho, um belo porta-retrato emoldurava Juninho, o seu moleque de 11 anos fã de futebol que ele encontrou numa rápida busca no Getty Images. “Vai dar trabalho esse menino”, dizia o paizão orgulhoso. No fundo de tela, Aninha. A princesa do papai. Recortada e escaneada de um anúncio de sabão em pó.

Nos intervalos do cafezinho, arrancava suspiros femininos detalhando o quanto se apaixonava toda dia por sua esposa. Do quanto gostava do seu rosto amassado logo cedo. E como há 12 anos o seu despertador era cobri-la de beijinhos.

“- A meta é mais difícil que a desse mês: cobrir 100% do seu corpo, só de beijos”

E ria com a roda de mulheres, sustentando o olhar por pouco mais de 3 segundos com a nova contratada do departamento financeiro.

Obviamente, era um sucesso. Romântico, marido dedicado, bem sucedido. O perfil de homem que abarrota a caixa de entrada de Santo Antônio.

Com seu terno bem cortado e aliança bem colocada, enlouquecia as mulheres com o bônus de ser inalcançável.

Afinal, por trás dessa imagem Dalton era um sedutor. Um sedutor discreto. Com olhares firmes, mas rápidos. Sem o desespero imediatista do solteiro, contava com a tranquilidade de um homem casado, bem resolvido. E com a descrição de um mineiro, “fazia a rapa na firma”- palavras de Josias, seu porteiro e único confidente.

Nada de carros importados ou passeios extravagantes, Dalton impressionava pela aliança. Aliás, o primeiro adereço a colocar no seu Renault Scenic vinho foi um adesivo de “bebê a bordo” no vidro traseiro.

Driblava qualquer princípio de comprometimento com álibis e desculpas para todos os momentos:

“- Poxa... Sábado eu não posso, minha querida. O Juninho tem a final e eu fiquei de levar todo o time campeão no McDonalds”

“- Hoje a noite o Beto e a Sônia vão jantar em casa. Soube agora, não vai ter como escapar. Me desculpe, meu bem.”

“- Acredita que a Regina quer que eu viaje para a casa da minha sogra, bem no carnaval?”

Até que o inevitável aconteceu. Dalton se apaixonou. E o pior (ou melhor): perdidamente. Cristina não pedia para acabar seu casamento, cobrava exclusividade ou ligava de madrugada contando “toda a verdade” para sua já sonolenta mãe. Para ela, tudo que lhe bastava era seu amor.

Depois de anos sustentando uma mentira por amores pueris, por simplesmente pontuar em um placar, Dalton se viu de peito aberto por estar com as mãos ao alto, completamente rendido pelo mais sincero dos afetos.

Dalton não teve outra escolha. Se encheu de coragem e resolveu tudo de uma vez por todas a farsa que era seu casamento.

Depois de meses de um divórcio arrasador, conseguiu se separar. Não queria ver Regina para não lembrar, pensou até em se mudar. Um lugar qualquer que não exista o pensamento em seus queridos filhos.

E assim, se mudou para a casa de Cristina.

"- Sabe Tina, fiquei ainda mais triste - e estupefato - quando soube que Regina já tinha um caso há anos com um empresário japonês, que conheceu nas aulas de pilates."

Se mudariam para Tóquio em semanas. E decepcionado, mas feliz por ter encontrado um novo amor em um momento tão difícil da sua vida, nem com a guarda do porta-retrato ele ficou.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Antes da Curva










Certa vez um amigo escreveu que esses 20 e poucos anos são como se você estivesse num carro.

“Um carro, que rodou entre destinos específicos por toda sua existência automobilística. Levou crianças para o ginásio, jovenzinhos para o colegial, guiou rapazes para faculdade. E agora ele pegou seu primeiro acesso para a rodovia. Uma estrada aberta, plana, com um misterioso horizonte para alcançar e com mais cobranças que os pedágios da Bandeirantes. E quem dirige é você.”

Pois olha lá eu na minha caranga, os vidros abertos, o cotovelo esquerdo tomando vento, os óculos escuros emprestando o intrigante mistério de não saber direito para onde meus olhos focam. A minha frente, o mesmo horizonte de expectativas. Tudo certo pelo incerto.

O sentimento do princípio de aventura quando se tem um diploma na mão ainda é o mesmo, mas com algumas diferenças. Agora, existe a consciência de que todo carro precisa ser abastecido com responsabilidades.

Para seguir viagem o tanque precisa ser completado com vida adulta, aditivada.

Se antes o receio era pelo incerto, hoje é pelo medo de ficar por um desses Postos e nunca mais sair. De se deixar vencer pela comodidade da rotina, esquecendo que o real propósito é chegar a um destino que recompense as noites dormidas planejando a viagem. Deixar o necessário crescimento profissional e os dias de sol dos finais de semana – sim, até ele - tomar o foco de pelo menos tentar realizar o que você acha que seria bem legal se acontecesse.

Anseio de encostar num munícipio à beira da estrada e nunca chegar na cidade que deseja. Mesmo sem ter certeza qual delas é.

E agora, enquanto o carro acelera e os olhos de gato passam zunindo pelo chão, uma curva surge no horizonte e aparece claramente no mapa e nos portas-retratos da família.

Amigos que se casam, primos que fazem filhos. Que assumem a responsabilidade de uma família. E deixam uma pergunta. Será que depois dessa curva muda-se o meu trajeto? Melhor: será que ela faz parte do meu plano de viagem? O fato é que ainda tem tempo para esta curva dobrar pelo meu caminho. Mas uma coisa é certeza: seja quão acentuada ela for, daqui a pouco ela chega para mim.

A verdade é que não sei para onde sigo. Não existe voz artificial de GPS para dizer o caminho. Aliás, até perderia a graça da aventura. O jeito é manter as mãos no volante e continuar seguindo, com o porta-mala carregado da bagagem de anos bem vividos.

Sempre focado no trajeto planejado, aproveitando as belas paisagens e encarando os percalços dessa viagem da forma mais leve possível, mesmo de tanque cheio.

domingo, 7 de março de 2010

Gordelícia




















Isso mesmo, você leu o título. Ela é gordinha. E ela é uma delícia.

Ao contrário do estigma que as mulheres rotulam, não é só de bundas e peitões dignos de uma assistente de palco que vive o desejo e a libido masculina. Ali, entre as fantasias de loiras curvilíneas e morenas de corpos que tocam bossa nova, existe uma mulher que enche a cama, que tem carne para apertar, que tem um recheio digno de ser esmagado entre rodelas de chocolate e ser empacotado para vender como Negresco.

A gordelícia. Prima da mulher que dá um caldo, mas com uma pitada de pimenta e por que não - um tenro pedacinho de bacon.

Uma gordelícia não é simplesmente uma mulher com alguns quilinhos a mais. Nelas, as famosas “alças do amor” abrem portas para um sexo tão fogoso que assa carnes e peixes na churrasqueira. Melhor que isso, elas tem a explosiva combinação entre horny e carinhosas. E homens percebem - e valorizam - essa charmosa dinamite.

A história prova seu lugar de destaque. Expressada na arte e na música, o gosto pelas gordelícias inspira muitos.

Bon Scott, falecido vocalista do ACDC, após uma noite de tórrido romance escreveu “Whole Lotta Rosie”, uma verdadeira ode Rock N’ Roll às gordelícias. O colombiano Fernando Botero pincelou seu lugar entre os grandes pintando e esculpindo gordelícias com as mãos que com toda certeza já contornaram as mais belas formas. Até num plano municipal, a bela cidade de Americana, no interior paulista, decidiu receber seus visitantes com um portal que é uma clara homenagem a este belo estipe mulheril.

Deixemos para lá o debate sobre o padrão de beleza atual, que cultua um corpo que substituí as delícias da boa mesa por alface, e se der, uns cubinhos de torrada. Entremos no nosso DeLorean e voltemos muitos anos no passado.

Os quadros não mentem: antigamente as gordelícias eram o padrão de beleza. Comer bem e bastante era para nobres, para os inquilinos originais do Castelo de Caras. Quem morava mal e longe era magro, e até esculpido pelo árduo trabalho no campo. Provável dono de uma barriga tanquinho que roncava com frequência.

Hoje, num mundo que (pelo menos nas grandes cidades) todos tem acesso a pelo menos um prato de comida, o que é bonito é a falta de peso. Comer alimentos orgânicos, lanches de pão integral com queijo branco, sucos de 3 frutas com uma pitada noz moscada, que você sabe, é cheio de vitamina A.

Segue a mesma lógica de antigamente, mas de forma inversa. Os ricos e famosos que renovam seus votos de amor no Castelo investem para contratar um personal trainer e uma equipe de nutricionistas para ficar bem na foto.

Mas aí, quando o mundo conspira para incitar-nos a procurar o que está estampado nas revistas ou dançando ao fundo do Programa do Faustão, quando a marca do meu desodorante lança uma campanha pela “real beleza”, lá vem elas, as gordelícias, e acabam com toda necessidade de argumentação.

A atração por gordelícias está na sua autencidade, no uso do inconfundível charme feminino a seu favor, em mostrar que uma mulher gostosa vai muito além de um padrão de medidas para bundas, coxas e peitos.

Elas são provas vivas e levemente rechonchudas de como o charme feminino permite a adição de “delícias” para todo tipo físico.

Afinal, ela é uma mulher. E é uma delícia.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mina de Ouro













A notícia se alastrou pela turma como fogo num rastro de pólvora que leva até dezenas de barris recheados do perigoso e inflamável pó cinzento. E explodiu tudo pelos ares quando chegou aos ouvidos e bocas das meninas que compõem a galera:

- Você viu que o Vandinho tá namorando?

Tamanho espanto tem motivo. Em todos os anos de faculdade e pares de anos mal pagos como recém-formados, Alessandro Couto Medeiros, o Vandinho, nunca foi de se deixar enlaçar pelo cinema de domingo e a garantia de pés quentinhos debaixo de edredons. O apelido, uma homenagem ao sedutor cantor Wando, traduzia sua fama de conquistador irreversível e completamente avesso a qualquer simulação de matrimônio que evitasse seus lábios de experimentar o gosto de vários.

Mas dessa vez era diferente. Vandinho mudara. Dizia ter encontrado a menina certa, que no seu palco agora só suas calcinhas lhe bastavam serem lançadas. Dani. Tinha nome de mulher gostosa - e realmente era. Olhos claros, corpo escultural, cabelos lisos e morenos sempre empurrados para trás acompanhando um arrebatador sorriso.

As meninas parabenizam o jovem namorador. Davam gritinhos quando ele confirmava a notícia, saltitavam e em seguida abraçavam o amigo, combinando mesas para 4 em restaurantes japoneses e feriados em Monte Verde.

Para os camaradas, a notícia nos primeiros dias foi completamente devastadora. Clima de Copa do Mundo perdida, de total desconsolo. O porto seguro da solterice, a referência, o último dos moicanos e telefones para se ligar em caso de término súbito, agora perdido para um par de seios e mini-saias.

Mas o choro foi logo engolido com cervejas e a simpatia de Dani e suas amigas: lindas, tesudas e disponíveis amigas. E para a alegria da turma, Dani era um craque. Como um meio-campista a distribuir passes milimétricos à destranbelhados centro-avantes, a senhora Vandinho tinha o dom de apresentar todas suas beldades com uma piscadela e um “vai que é tua, Taffarel”. Era escolher, e Dani armava a jogada para o mais belo dos gols de placa.

Não tardou para após o primeiro bar de apresentação à Dani e suas amigas, o compromissado Humberto jogar seu anel prateado ralo abaixo e voltar do banheiro terminado – e sorridente. E ele foi o primeiro de muitos. Solteiros, enrolados e namorados, todos os amigos concordavam com uma coisa: Vandinho havia encontrado uma verdadeira mina de ouro.

Vandinho estava cada dia mais feliz, encantado com as delícias do amor. Sorria pela rua, cantarolava no trânsito das 6 e meia, aumentava o volume do rádio quando tocava o tema da novela das 8. Dani lhe fazia bem, e o melhor: reservava um pouco de seu encanto aos seus amigos, apresentando – daquele seu jeito - novas lindíssimas amigas a cada fim de semana. Como na anual a viagem de verão, quando levou simpáticas colegas que trabalhavam no árduo mercado de modelos de biquini.

Tudo era alegria na turma, com todos se sentindo com peles feitas de favos de mel, no topo do seu jogo, chovendo em hortas que logo virariam plantações.

Tudo perfeito, até outro gigantesco barril explodir.

Era uma quinta-feira fria e chuvosa quando o conclave fora organizado. Sentados na mesa circular e de feltro verde, a alta cúpula dos amigos de Vandinho foi convocada com urgência. Gordinho, cujo apelido era “Roberto”, foi o primeiro a falar:

- Amigos, estamos aqui para apurar e decidir sobre algo muito importante. Para nós, para o Vandinho, para nossa vida sexual.

Com um gesto largo, Gordinho estende a mão para a diagonal com os dedos colados uns aos outros, dando a palavra com um pesar de chumbo na sua voz.

- Eurico, por favor.

Atualmente saindo com duas gemêas intercambistas da Suécia, apresentandas pela meia-campista, o tímido Eurico deu a notícia com lágrimas nos olhos. Dani, a namorada mais perfeita que um amigo já havia encontrado, foi vista com outro. Mão dadas, risadinhas, beijos entre lambidas de casquinhas de sorvete... A receita para um corno completo.

- Mas você tem certeza que era ela? - Em claro desespero e com lembranças da morena que quase rancou seu lábio inferior, Danilão faz sua pergunta de leite derramado.

- Era, cara. – um longo suspiro afunda o queixo de Eurico no seu peito – Era de dia, eu estava muito perto. Perto demais... Ela me viu.

Um silêncio aterrorizante invadiu a sala. Um antigo relógio de pêndulo cortava ritmado a total ausência de som que tomava o recinto. Eurico tentou continuar, mas não encontrou palavras. A doce Dani, sempre solícita, virou amarga e chantagista. Um dia após o fatídico encontro, Eurico escutou “Não é você, nem sua dieta errada e falta de exercícios diários. Sou eu.” da personal trainer que saía.

Um claro recado que instaurava um grave dilema. A verdade libertava Vandinho de seus chifres, mas levava com eles para todo o sempre as beldades apresentadas, bem como as que viriam a deitar de cabelos soltos em suas camas.

Cerveja gelada ou o suor lambido de lindos pescoços? Viagens de carro ou o trânsito parado por quem passeia ao lado? Amizade ou o sexo mais sensacional de suas vidas?

Um sacrifício havia de ser feito.

Com dor no coração e saudades da morenassa chef de cozinha que Dani lhe apresentou, Gordinho diz seu veredito:

- Temos que contar para o Vandinho. Tudo.

Os quatro amigos se entreolharam, e com a maior das forças de vontade, consentiram. Pela amizade, pela camaradagem, pelo amor fraternal ao irmão corneado.

Eurico ficou de engolir o choro e ligar para Vandinho, contando tudo. Tomou fôlego e começou a discar entre fungadas nasaladas. Logo antes de levar o aparelho ao ouvido, o celular explode com o apito de uma mensagem:

Oie! Preciso de um favorzão. 4 amigas vieram direto de Floripa para uma sessão de fotos e não tem onde ficar, acredita? =P Falei bem demais de vc e os meninos. Vcs podem recebê-las? É só por uns dias...

Iluminados pela pequena tela quadrangular, os quatro amigos se entreolharam.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Primeiro Encontro




















Ser ou não ser, eis a questão. Transar no 1o encontro ou não - vou no tesão ou sigo o “padrão”?

Ó dúvida cruel que assola as mulheres. Ainda mais quando quem está do outro lado da mesa à meia luz vale o lábio mordido após o gole de vinho e a ofegante ideia de usar os pratos como travesseiros e a toalha como lençol.

“O que ele vai achar de mim? Vai me achar fácil? Vai me achar quente? E o mais importante: ainda serei atraente para ele me ligar assim, de repente?”

Uma coisa é verdade: se oferecido, ele será prontamente aceito com o eterno sorriso juvenil que acompanha a abertura de um sutiã. Não existe homem no mundo que recuse sexo, ainda de uma mulher que ele também pensa em jogar na mesa desde o momento que ela entrou no carro e ele elogiou o seu perfume.

Contudo, o dilema a ser respondido é se isto faz com que essa suspirante noite de beijos no pescoço fique somente nela, terminando apagada como a luz que foi acionada para favorecer silhuetas.

Quando a intenção é uma noite, uma cama e só, tal leve preocupação não chega a virar um problema. O mundo dos relacionamentos evoluiu para separar o joio de uma one night stand do trigo de uma noite que a lua parece brilhar sob o olhar besta dos apaixonados.

E é exatamente aí que começa o problema: quando existe um interesse verdadeiro que o primeiro encontro vire o segundo e um buquê de flores depois de uma terça-feira cansativa.

Para um homem, quando seu interesse é genuíno (nesse caso, segue o critério “apresentável para mamãe”) o sexo torna-se a cereja de um bolo feito com nada de marzipã e muito sushi, bares e baladas, com creme de cartão de crédito e mensagens de texto. Um investimento que leva algum tempo e assuntos em comum.

Mesmo hoje, num mundo onde o sexo alcançou seu merecido status de prazer ainda possivelmente separado de afeto, ainda existe espaço para o romantismo.

Pode parecer que não, mas quando afim um homem valoriza sim a evolução natural de um relacionamento. Do primeiro beijo ao primeiro malho que abre botões - nem que tenham acontecido na mesma noite.

É completamente atemporal. Por ser tão bom, tão íntimo e tão desejado, para o homem o importante é que o sexo tenha a sensação de merecido, de conquistado, de que ele não foi mais um. Sejam em horas, semanas ou 500 dias com ela (mentira: 500 dias além de um filme, é muito. Mesmo.)

Mais que ser “rápido”, o sexo não pode ser “fácil”. Um sexo fácil demais pode fazer esse bolo não ter o mesmo sabor. Ou se for pra ter um sabor, somente o gosto daquela cereja que vai no topo. Gostoso, mas enjoativo e facilmente substituível por outra mais tenra e vermelha.

O fato é que não existe regra ou cartilha a ser seguida para acertar a hora de esticar os braços e apertar o interruptor enquanto beija. Seguir algum padrão para o amor – ou o princípio dele - só leva a outro: o fracasso.

Por isso, se a vibe, o clima, o momento, ou tudo mais que confluir para dar a certeza que o melhor a fazer é fechar a conta e subir do elevador às nuvens, que aconteça. Sem dúvida é o melhor a ser feito.

No final, o importante é fazer o tal bolo chegar à mesa e ser sempre, a melhor das sobremesas.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Diálogo de Elevador

















Dois amigos e colegas de trabalho chegam segunda cedo para mais uma semana de árduo trabalho e digestão (quarta-feira é o dia que andam um pouco mais para comer a fejoada do “14,90, à vontade”).

Ele, fã de bacon e lanches de padoca. O outro ele, fã de restaurantes que seu Visa Vale gasto por happy hours suporta até o fim do mês. Em comum, a vontade universal proletária de um aumento e um dia sem grandes estresses e a necessidade de jantar pizza na conta do chefe.

Enquanto os elevadores descem em contagem regressiva do 10 ao T, uma presença consegue a proeza de passar com elegância entre as catracas, estacando em frente ao elevador e mostrando seu perfumado (e extremamente beijável) pescoço, enquanto acompanha a descida dos caxotes metálicos içados por cabos de aço.

Com malícia nos olhos, é feita a pergunta que começa todas as semanas:

- Fala cara, como foi de fim de semana?

Mas o magnetismo da gostosura, de tão perto, tão ao alcance, desconcentra os pobres – e infantilmente felizes - trabalhadores.

- Foi ótimo cara. Viajei com a família. Hotel-fazenda. Bem tranquilo. Mas bem legal.

Falou tudo isso de olhos arregalados por uma hipnose, acompanhando os belos contornos que perfilavam ao seu lado. Se tentasse repetir que acabou de dizer não conseguiria balbuciar sequer uma palavra.

Com um meio sorriso, o garoto bacon responde com uma olhadela para as nádegas enrijecidas pelo salto alto.

- Puxa... Deve ter sido uma delícia!

Segurando o riso, o rapaz do Visa Vale responde à altura:

- Foi cara, foi muito bom. Comi demais, e bem! Deu vontade até de comer embaixo da mesa.

Mas o bacon boy é duro na queda. Sem tirar os olhos de sua musa, retruca.

- Aposto que nem aguentou comer tudo. Você sempre tem olho maior que a barriga.

Já entregando a risada pelo sorriso, Visa Vale tenta sua última cartada.

- Nada rapaz! A vontade era lamber o prato, de tão gostoso.

- Pô, que beleza. Fim de semana assim é sempre um tesão!

E rindo, os colegas bonachões sobem para mais um dia de trabalho. Longe de um aumento mas muito perto de pedir borda de catupiry na marguerita das dez da noite.

A gostosa ali fica, esperando o próximo elevador. Ao entrar e apertar o seu andar, tromba com uma colega de trabalho, que logo corta o silêncio do cubículo ascendente com uma pergunta:

- Oi amiga! Como foi seu final de semana?

E logo antes das portas metálicas juntarem-se em sincronia, a resposta:

- Ah, o de sempre. Broxante.