terça-feira, 27 de outubro de 2009

Dando Mole




















E então ela curtiu. Gamou. Gostou do que viu. Viu que ali dá samba. E agora?

Esqueça cenas de filmes, de trombadas que derrubam papéis e descarregam eletricidade ao se olharem e erguerem-se do chão em sincronia, com a papelada nos braços. Desconsidere aquela paixão súbita e arrebatadora, que te gagueja e congela sua barriga.

Deixe tudo isso para o roteiro da mesma comédia romântica que entra em cartaz todo mês nos cineminhas de domingo a noite, depois da pizza.

O foco aqui é outro, minha amiga. Me refiro àquela simples fagulha de interesse que ascende e te faz querer saber mais sobre aquele cara que deu oi com um sorriso tão simpático. Um estalo, uma faísca, um “opa, gostei!”.

Ela, a menina, a mulher quer. Ele, o homem, o menino, não sabe disso. Chegar e agarrar a presa como quem agarra um sapato numa liquidação é uma possibilidade, mas não acontece por um simples motivo: mulheres agarram com palavras, gestos, sinais de interesse.

Uma mulher consegue levar os lábios que deseja ao encontro dos seus sem que a outra boca perceba. É imperceptível. Conduz a orquestra do flerte e tira a música que bem entende, passando a sensação de quem tocou toda a peça foi ele, o mero violinista.

Homem acha que pega, que conquistou. Mas desde o início ela quem planejou todo o crime com requintes de sensualidade. Esperou a hora certa para passar em frente, a uma distância abordável. Beijou estalado, abraçando meio segundo a mais para deixar o seu perfume. Olhou de longe e sorriu para baixo, não deixando claro se sorriu para ele ou para seu copo.

Para o homem, chegar na mulher é como abrir uma porta, puxar uma cadeira e depois tirar para dançar. Mais que uma gentileza, é o seu papel. E desse acordo silencioso que nasceu a nobre a arte de dar mole, e com ela, um comum e inevitável problema: a comunicação inter-sexual.

Casais que não emplacam, ou que nem chegam a ter essa chance por um mero erro de interpretação. Mulheres de Vênus e homens de Marte sem um único curso rápido de inglês para transpor as barreiras.

Muitas vezes, o “dar mole” para uma mulher simplesmente não é lido como interesse pelo homem. Acontece com frequência: a mensagem de “ei, estou afim” não chega. Seja por incapacidade da emissora em transmiti-la ou do receptor de interpretá-la.

Homens conseguem compreender e interpretar somente 6 sinais básicos de interesse feminino:

1) Tocar os seus braços
2) Rir mais do que o comum
3) Olhar no olho
4) Olhar no lábio
5) Olhar no olho, de novo
6) Mexer no cabelo
Bônus: Morder o lábio inferior, de leve.

Qualquer outra tentativa da mulher em mostrar seu interesse que fuja desses 6 sinais básicos exigirá um receptor mais aguçado, ou mais esforçado. Coisa rara.

Desde que o homem constatou a rapidez e capacidade de conexões do cérebro feminino, ele simplesmente parou de querer interpretar todos os sinais de interesse. Não por preguiça, mas pelo bem de sua saúde emocional. Homens são normalmente mais objetivos, diretos – veja por amostra a “mulherada” que tem numa turma de engenheiros mecânicos. São curtos para as sutilezas da sedução feminina. Comportam um “sim”, um “não”, no máximo um “talvez”. E só.

A imprevisibilidade feminina é muito para nossos cromossomos.

Raros são os ousados exploradores que se aventuram na busca de compreender todos os sinais femininos de interesse e saem com vida (amorosa). Normalmente acabam se perdendo, vendo coisa onde não tem, beijando no máximo uma bochecha dada como prêmio de consolo.

Para um homem é mais seguro confiar só no que indica ser mesmo certo, garantido. Afinal, quanto mais sinais ele procurar, maiores são as chances dele encontrar o que não quer: uma recusa.

Uma mulher que sabe sacudir sua bandeirola do interesse na medida certa atrai quem faz seu samba e entra com ela na Sapucaí. Um olhar bem dado levanta da cadeira o mais tímido dos fãs de Star Wars. Injeta confiança. Destranca a porta e ajeita o capacho escrito “bem-vindo”.

No jogo da sedução, mulheres tem a faca e o queijo, daquele que tem uma casquinha por fora e é cremoso por dentro.

Aliás, cremoso não. Mole.

domingo, 18 de outubro de 2009

O Passeio









366 dias de ter completado 17 anos lá estava Cadú, abrindo os olhos para os raios de sol da manhã e do seu primeiro dia como um cidadão maior de idade. Era um grande dia e o começo de uma nova era na sua vida. A era motorizada!

Mal colocou os pés para fora da cama e o interfone no criado-mudo já tocou. Do outro lado, a voz de outro criado:

- “Senhor Carlos Eduardo, o senhor está disposto para o almoço? Ele já está na mesa.”

- Obrigado Samuel, já vou descer.

Vestiu as sandálias, espreguiçou aproveitando o braço esticado para alcançar o seu róbe, pendurado no mancebo a sua direita. Deu uma respirada longa e funda, deixando entrar por suas narinas o cheiro apetitoso do carbonara que esfumaçava repousando na sua cama de porcelana no andar de embaixo.

Mas não foi bem fome o que este apetitoso cheiro trouxe. Mas sim, uma feliz ansiedade. O almoço posto a mesa o lembrou de outra maravilha italiana que também fica estacionada na sua casa: a coleção de carros esportivos do seu pai. Ferraris, Maseratis, Alfa Romeos, todos encerados e com suas centenas de cavalos prontos para relincharem debaixo dos seus capôs de curvas elegantes.

A alegria que não cabia no seu peito saiu pela sua boca, atravessou a cidade zunindo entre cabos e postes e chegou aos ouvidos de Letícia – “Lelê” para os íntimos que compartilham a mesma letra na categora de “ryco, com Y” e “Letícia Siqueira-Bittencourt” aos demais mortais que costumam olhar etiquetas de preço.

“- Ai Cadú, que legaaal!”

Desligou o telefone e forrou sua cama de uma colcha nova, feita inteira de roupas recém-tiradas do armário e ainda com seus cabides. Não sabia o que vestir para este grande dia. Que ansiedade, que emoção! Externou sua alegria com palmas e pulinhos, seguidos de gritinhos emoldurados por sorrisos. Combinou tons de rosa-claro, salmão e rosa-choque e deu dois passes a frente para receber a borrifada de perfume lançada ao ar. Duas horas depois de se arrumar depressa, seguiu para o lugar combinado.

Eram 10 e meia da manhã de um sábado com sol de escorrer maquiagem e lá estava Lelê, linda, loira e impaciente. 5 minutos e nada do Cadú. Ela ali, sozinha na calçada com o peso do seu corpo apoiado no calcanhar esquerdo. Sentia-se como aquelas pessoas que via da janela escurecida do carro do seu pai. Paradas, esperando a vida passar e o cheque cair. Tudo aquilo era muito estranho, e raro. Mesmo quando em céu aberto, o céu que via tinha no horizonte os muros de um clube, ou o azul que passava pelo domo de vidro de um shopping center.

Pois hoje não. Hoje ela ia conhecer o mundo real, o mundo verdadeiro onde pessoas vão para onde bem entendem. Ir para onde quiser, quando quiser. E tudo isso com o seu amor. Melhor que isso é só seguindo para a Raposo Tavares ao final da noite.

O gostoso devaneio foi logo cortado pela imagem que via no horizonte, trêmula pelo calor que evaporava do asfalto de fritar ovo. Cadú e sua Mercedez, mas que união feliz! Lá vinha ela, cor de vinho. Vinho como o conteúdo das garrafas que iriam dividir, brindando de braços entrelaçados como dois cisnes num lago que desenham um coração com seus pescoços.

Não se conteve e balançou seus braços, sacudindo como chocalhos seus braceletes prateados. Brilhando, a Mercedez encostou na calçada e abriu sua porta. O motorista de uniforme azul-claro não deixou de esconder seu espanto com a passageira que subia as escadinhas do seu ônibus. Depois de tentar passar seu cartão e inserir a senha, pagou o deboxante cobrador e cruzou a catraca, radiante.

Cadú sorria e esperava por sua companheira, com um lugar reservado no banco do carona feito de plástico duro e pichado com liquid paper. Deram as mãos e entrelaçaram os dedos, descobrindo juntos – entre muitas coisas – sua primeira viagem de busão.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mulheres
















Mulheres tem longos e intensos orgasmos, mas – por escolha ou não – podem resultar em nove meses de progressivo aumento da barriga e no desejo de comer a legítima pamonha de Piracicaba às 4 e meia da manhã.


Mulheres variam o humor entre brava “eu capo esse desgraçado” e triste “existem milhares de filhotinhos com frio e sozinhos no mundo” no mesmo dia, por uma semana ou mais. Mulheres crescem peitos, e depois os carregam pela vida afora amarrando-os junto ao corpo com elásticos apertados e incômodos.

Mulheres se apaixonam, têm tesão, desejo, vontade. Mas tem que esperar o convite para a dança, esperar que percebam os sinais que seu corpo entrega como óbvio, um “sim, pode vim, eu não mordo. Eu também quero”. Chegam a deixar de suportar o ardor de uma depilação para não apressar as coisas, como quem deixa a ponta achocolatada do Cornetto pro fim ou segurando-se por mera convenção de um mundo onde homem é “pegador” e mulher é “biscate”.

Transformam a palavra teimosia em plena convicção em seus argumentos, não arredando o pé mesmo quando sabem que estão muito perto de estarem equivocadas. Podem esquecer a chave de casa a cada saída, mas não esquecem o que aconteceu em maio de 2001 para vencer um argumento. Nunca.

Mulheres picham “o amor é importante, porra” sem nunca terem tocados numa lata de spray na vida. Degustam paixões pueris, platônicas, com plena consciência. Pelo cara do sétimo andar, pelo cachinhos que pega a mesma linha de ônibus.

E mais que tudo, acreditam no amor. Na existência da pessoa certa. No homem do seu anúncio de margarina, encantador como quem ela dedicou cartões coloridos com giz de cera no dia dos pais. Acreditam em instantes de taquicardia por estantes da livraria Cultura, na apresentação do amigo da amiga em um aniversário que foi de última hora, sem um lápis no olho ou com a calça de moletom do sábado a tarde.

- E ai, faltou alguma coisa?
- Ah um pouquinho... Quase tudo.