quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Um Conto de Natal

Nos corredores do CDPN (Centro de Distribuição do Pólo Norte), um duende caminha entre aflito e apressado. O ansioso serviçal costura pelas baias em passadas rápidas, desvia de carrinhos com papeladas misturando “boa noite” com “licença”.


É dezembro, véspera de entregas da maior e mais complexa operação logística da face da terra. O imponente escritório é um caldeirão de carimbos, memorandos e toques de telefones incessantes.


O esforçado pequenino leva em suas luvas brancas um papel timbrado, ainda com as cicatrizes de um puxão do caderno.


Ao parar na porta feita de um carvalho maciço e envernizado, o duende inspira longamente.


- Entre.


Uma voz grossa e rouca vem de dentro do escritório, antes mesmo que ele esboçasse dar três toques na porta.


Atrás da sua larga mesa retangular, com um tampo de mármore repleto de latas vazias de energético e canecas de café, o atarefado velhinho revisa as rotas de entregas. O rosado de suas bochechas se acinzenta com o escuro fundo de suas olheiras.


Contorce o cigarro – Derby vermelho, sem filtro - no abarrotado cinzeiro e acompanha a entrada do seu subordinado no recinto. O estressado velhinho só ergue os olhos do papel, deixando-os logo acima do óculos que se equilibra na ponta do seu nariz.


Com um suspiro impaciente, pergunta.


- O que foi agora, Joel?


- Senhor... Tenho algo muito importante comigo. Uma carta.


Papai Noel balança a cabeça negativamente, ainda olhando para baixo. Inclina suas costas na cadeira e fixa com firmeza seus olhos azulados no duende parado a sua frente.


- Uma carta? Você realmente se superou dessa vez, Joel. Eu tenho um departamento inteiro para ler e protocolar cartas e você vem me trazer uma carta?? Eu lidero uma operação que atravessa em uma noite mais de 5 continentes e você acha -


- Senhor. – O corajoso duende interrompe. – Eu entendo. Mas você realmente precisa ler essa carta.


- Não me diga que você agora se deu por sentimental. O mundo mudou. A concorrência está aí. Amazon, Sedex10, Fedex. Ou você acha que eu tenho bala para investir em um filme sobre náufrago? Eu entrego a bola de vôlei, não faço dela o Oscar de ator coadjuvante. Você sabe disso. O Departamento de Correspondência executa há anos essa função e vai muito bem, obrigado.


- Mas o seu conteúdo, entra na Lista. A sua Lista, que você entrega pessoalmente, sem usar os sósias de shopping.


O Papai Noel suspira sua indiferença com um suspiro.


- Há muito tempo que algo não entra na Lista. Tudo que chegam são pedidos pelo lançamento da moda, que é logo substituído por uma manha bem feita e a liquidação de janeiro. Rasgar o meu embrulho perdeu o charme faz tempo. Não vale o esforço. E você sabe muito bem disso.


- Mas essa é diferente. Por favor, leia.


O rosa das bochechas viraram vermelho de cólera.


- Puta que pariu! O que deu em você, Joel? Você sempre foi meu ajudante mais eficiente. Pedido por Paz Mundial? Por um irmãozinho? Por brinquedos para o orfanato inteiro? Nada disso cola mais, rapaz. Aceite a realidade. Agora chispa daqui. Eu e você temos uma frota de trenós para administrar.


- Está bem senhor. Desculpa tomar seu tempo. Vou voltar às minhas tarefas.


Cabisbaixo, Joel sai da sala.


Papai Noel tira seu maço da gaveta e acende um cigarro com seu Zippo com o desenho de um pinheiro natalino. Fecha a gaveta com uma pancada.


Fica parado com as botas na mesa, olhando pensativo para o isqueiro que ganhou no último amigo secreto do CDPN. Depois de minutos de reflexão, ele a vê. Presa sob o cinzeiro, a fatídica carta. Estica seus dedos roliços com um resmungo de “esse Joel...” e desdobra o papel.


“Oi Papai Noel, tudo bão?


Tenho um pouco de vergonha de escrever isso pro senhor. Já to velho pra essas coisas.


Escrevo por que esses dias, a mulher. Não, sogra do meu amigo. A moça do rapaz que trabalha comigo foi sair com meu carro e deu de ré. Aí já viu. Ela tava novinha. Amassou tudo. Uma desgraça só. É uma Belina álcool, 4 x 4, verde. Placa MBE – 4785. Passou a praça, do lado do abacateiro. Não coloco na sombra por que esses abacate fazem um estrago que só.


Se o senhor puder me dar a funilaria de presente eu ficaria muito agradecido. Muito mesmo.


Obrigado e desculpa qualquer coisa,


Jurandir.”


Da sua mesa, o bom velhinho interfona.


- Joel, prepare o meu trenó.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Desculpas Esfarrapadas de Primeiro Grau



Gostaria de te apresentar ao Alberto. Para os caras do futebol de terça, o Betão. Para as colegas de trabalho, o Albie.


Mas fiquemos com Alberto, mais neutro.


O que aconteceu com Alberto foge de toda compreensão humana. Quebra paradigmas. Coloca em cheque nossa noção de evolução.


Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?


Era sexta-feira, 20 horas, 17 minutos e 21 segundos quando nosso herói quarentão recebeu o convite de 3 amigos para beber uma cerveja.


“Vamo lá, cara... Só dois chopinhos, pra afrouxar a gravata”


Relutante mas ciente que concordaria no fim, de imediato o gentil Alberto recusou o convite. A patroa era brava e mestre na arte de guardar erros por anos a fio, com o talento impar de usá-lo para nocautear uma discussão.

Mas os colegas insistiam, descrevendo o sabor refrescante de um chopp gelado e de espuma cremosa. Salivando, Alberto tentou fazê-los entenderem seu lado.


Explicou das ordens explícitas de estar cedo em casa. Que sábado tinham que fazer orçamentos em duas Telhanorte, a tempo de chegar no almoço da sogra com a massa que encomendaram na rotisserie.


“Obrigado moçada, fica pra próxima.”


Era sábado, 11 horas, 32 minutos e 01 segundos quando Alberto tentou pular o portão da sua casa. Visivelmente bêbado, equilibrando-se com uma perna em cada lado de sua propriedade.

Após incríveis 20 segundos mantendo seu corpo como um pêndulo, caiu como um peso morto para o lado de dentro. Temendo estar sendo observado, levantou-se com a agilidade de um ninja grávido de 9 meses.


Caminhou sorrateiro para a entrada, sondando o perímetro com o canto de sua vista.

Ao alcançar a maçaneta, sua mão abriu o vácuo. Demoraram alguns segundos para ele entender quem tinha feito a gentileza de lhe abrir a porta.


- Eu quero uma resposta. E quero uma bem dada. Por isso, Alberto, pense bem antes de me responder. Onde DIABOS você estava?

Alberto respirou fundo. E com a mesma profundidade, olhou nos olhos de sua mulher e respondeu, entre seco e sério.


- Acho melhor você sentar.


Alberto subitamente ficou sóbrio. Como que se a lembrança do acontecido fizesse toda bebedeira ir embora. Naquele momento, sua única missão no mundo era contar o que aconteceu. Pouco importavam as consequências, o espanto que causaria.


O mundo precisava saber a verdade.


Agachou em frente a uma já impaciente esposa e disse, arregalando os olhos:


- Você não vai acreditar. Eu fui abduzido.





sexta-feira, 15 de julho de 2011

Guerra Fria


Caio terminou com Marininha. Ou foi a Marininha que terminou com o Caio? Não sei. Os detalhes não vem ao caso, mas segundo consta, foi um término até que amistoso. De certa forma, veio como um alívio.


Aconteceu que o amor já estava como uma fogueira de final de acampamento. Minguante como a lua da noite que eles ficaram pela primeira vez, no bafo quente de um verão praiano há 2 anos atrás.


E tal sentimento os levou a um consenso doloroso para ambos. Melhor do que um término por um chifre ou uma briga de pratos e corações partidos.


Com um nó no peito por estarem reconhecendo o final de algo especial, sentaram num banco e decidiram em comum acordo selar o fim das risadas entre camadas de edredom.


Se despediram com um abraço apertado, que trouxe com ele uma rápida edição de momentos passíveis de suspiro. E depois dos letreiros, foram se deitar nos mesmos lençóis, agora acompanhados somente de lembranças confusas e pensamentos de “segue o barco.”


E os dias de fato se seguiram, com cada parte do ex-casal ainda tateando seu caminho entre long necks e flashes de balada.


Estavam treinando a se acostumar com a ausência de boa parte de seus pensamentos e telefonemas. E indo muito bem, obrigado.


Até ligarem o computador.


Eis que o mundo mágico do template azul revela para os olhos de um sonolento Caio uma foto. Sua ex, exalando sensualidade enquanto laçava um pilar com uma perna, com os olhos brilhando por prováveis shots de tequila.


Em um assustado reflexo, fechou a página.


Em questão de segundos, abriu de novo.


Passou o fim de semana e lá estava o antes discreto Caio marcando presença no Facebook, com a camisa aberta e os olhos em farol baixo. No rosto, o mais malandro dos sorrisos. Em cada bochecha, um feminino beijo estalado.


O telefonema de uma amiga descreveu em detalhes a solteirice da imagem para Marininha, que imaginou até a estampa da camisa em vingativo silêncio.


A resposta veio como um míssel intercontinental. O álbum “Feriadoooo”, cuja capa era um pôr do sol e três sombras de meninas pulando em sincronia. Drinks coloridos, marcas de biquíni e legendas maliciosas para fotos de rapazes sem camisa torturaram um enciumado Caio, que entre dentes jurou sua retaliação.


E assim os dias viraram meses, entre fotos e frases de duplo sentido pelas redes sociais. Resistir ao clique era impossível, e a cada novo post o recado era marcado pela angustiante dúvida dele ser de fato um recado.


Tudo era analisado. Da música do dia à frase de MSN, passando pelas interações que o mural do Facebook inevitavelmente trazia aos seus olhos curiosos. Em qualquer ponto de contato poderia estar um possível “olha o que você perdeu” de teor acumulativo, lançado à livre interpretação de cada parte antes envolvida com um título de namoro.


Mas muito mais do que qualquer foto ou novo status de relacionamento, o que mais doeu foi o silêncio.


Passaram alguns meses para os bem acompanhados registros de Marininha curtindo a vida simplesmente pararem de aparecer. Nenhum recado por páginas alheias, nenhuma foto, nada.


Será que ela tinha encontrado alguém? Percebido que o álbum de viagem inesquecível é o que você leva na memória? Que o melhor recado é o que você escreve num cartão de presente?


Para Caio, tantas perguntas tinham uma só resposta.


Era preferível vê-la dividindo baldes de caipirinha do que dividindo a vontade de se ver depois de um dia longo.


A dúvida ditava o ritmo que atualizava suas páginas. Até que o acaso, sempre ele, fez o favor de lhe dar a certeza em uma mesa de bar.


E no vazio da sua caixa de entrada, Caio reconheceu que entre todas as fotos, frases e filmes que enviou para o mundo de pixels e telas azuis, o que sempre lhe faltou foi uma única palavra.


Saudade.


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Primeiro Encontro


E lá estava Renato. Sentado na mesa de toalha quadriculada em branco e vermelho. Beberica uma taça de vinho, de olho na porta de molduras paralelas de vidro. Batuca sua ansiedade no crostini que repousa na cestinha a sua frente, usando sticks de pão como baquetas.

Já se passaram trinta minutos desde o combinado.

Com o sininho preso ao batente, Letícia entra. Ele levanta com um meio sorriso, cumprimentando com um beijo estalado na bochecha.

- Oi… Começou bem, hein? Você se atrasou para cacete.

- Desculpa, eu não sabia que roupa usar…

Silêncio. Constrangimento mútuo. Ela continua, não contendo a empolgação:

- Também, depois da farra que foi minha viagem no feriado, todas as roupas boas estão lavando. Ai foi essa velha mesmo.

E sem perder a compostura, ele responde de bate-pronto.

- Puxa, fico feliz com sua preocupação.

- Ah, na boa. Primeiro encontro às cegas é complicado. Quando perguntei para a Marininha como você era, ela respondeu “ah, muito gente boa”. Achei que não valia muito o esforço.

Renato arqueou as sobrancelhas. E a olhando de cima para baixo, sentenciou.

- É, confesso que também esperava mais de você.

- Que bom que concordamos com isso.

O garçom se aproxima do casal.

- Aceita vinho, senhorita?

- Sim, claro.

E com um sorriso irônico, ela completa:

- Um brinde à sinceridade.

- Um brinde!

Seguido do tim tim, o silêncio. Chegou a hora de falar algo legal, para quebrar o gelo. Só foi patada até agora. Renato pensa em um elogio antes de pensar um prato.

Então, com seu mais simpático sorriso, Letícia arrisca:

- E que lugarzinho hein? Só falta você tirar do bolso um vale de site de Compras Coletivas.

- Quem dera se tivesse um desses. Pelo menos economizaria e a noite não estaria perdida. Bom, pelo menos acertei em não olhar a gaveta e colocar minha boa e velha Zorba clássica, dessas com um bolsinho mucho na frente.

- Ah, você também? Se você visse o estou usando… É de um caramelo claro, total terceira idade. Parece que roubei um coador de café que por algum motivo estava pendurado num box de plástico fumê.

Renato não se deixa impressionar. E responde de imediato:

- Isso eu imaginava mesmo. Não quero nem pensar na mata atlântica que esse coador esconde.

- Mata atlântica não por que ela já foi bem devastada, tadinha. Está mais para Amazônia mesmo. Normalmente faço isso para me segurar e não dar logo de cara. Mas com o promissor cenário de você ser exclusivamente “muito gente boa” vi que não valia a sessão de tortura.

- Bom, não adiantou muito. Acabamos trocando uma sessão de tortura por outra. Vale até mais um brinde.

- Claro que vale!

E com a segunda edição do tim tim, Letícia só pensa em uma coisa:

“Que surpresa boa. Ele bem que podia me chamar para sair de novo. Nunca vi homem mais charmoso…”

Renato observa ela enrolar o talharim no garfo, deixando o narrador da sua vida falar por ele.

“Caramba… Com esse jeitinho arisca não tem calcinha de vó no mundo que atrapalhe. Ela é uma graça.”

Acabaram por comer suas massas e pagarem a conta, acertando em comum acordo que Zorra Total era bem mais interessante que aquele jantar.

Afinal, isso não é coisa que se fala num primeiro encontro, não é mesmo?

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Me Add no Face?

Mas você lê e apaga hein?

Assim como era no princípio, agora e sempre por todos os séculos dos séculos que o mundo se relacionará via redes sociais.

Mas vamos ao hoje. Afinal, seguindo a última tendência o Orkut virou uma rede social estendida na laje, para deitar com a patroa enquanto a criançada brinca na piscina de lona.
O que pega hoje é o Feice, meu. E não é a toa. Segundo o último Dossiê MTV5, para o jovem não estar no Facebook é o equivalente a não existir.

Mas por quê tanto sucesso?

Um cru exemplo de um diálogo mal transcrito do filme “A Rede Social” nos responde bem:

“- Você sabe se fulana namora ou está saindo com alguém?

- Como vou saber? As pessoas não andam por aí com uma placa no pescoço dizendo se estão comprometidas ou não.”

E é daí que o Homem do Ano juntou os dedos em pinça e teve seu estalo.

Melhor que as outras tentativas até então, Mark Zuckerberg se apropriou com maestria do que acontecia analogicamente há séculos, entre tias debruçadas sob janelas de casinhas viradas para o coreto.

Da praça da mais pacata cidade à boate da mais insones das metrópoles, cada um quer saber o que faz o seu círculo social girar. E se sentir parte dele. Para onde foram, o que fazem, com quem se relacionam.

Mas isso tudo você já sabe, não é mesmo? Até o Jornal Hoje deve ter feito uma matéria, logo depois daquele quadro sobre bullying.

O pulo do gato do nosso amigo de Harvard está no como.

O que antes era recebido e repassado via scraps e secretos testmonials hoje é propagado exponencialmente com um único post em um mural. Um misto de megafone e antena, que envia e recebe informações com a facilidade que nenhuma outra rede social conseguiu até então.

Seu diferencial está no quanto ele agrega pessoas e informações direto da fonte, que antes poderiam se perder no caminho de cliques sinuosos até entrar em um perfil.

O Facebook traz a rotina de 500 pessoas para sua página inicial, colocando um holofote no cotidiano. E para melhor ou pior, destacando no centro do palco quem você é. Mas tanta facilidade traz um porém. Uma rede social baseada no compartilhar jamais estaria imune aos exageros.

A facilidade de sem disparar um único clique poder estar imerso na vida de alguém ou ter alguém mergulhado na sua, imperceptivelmente, inebria. E nos faz esquecer a dimensão da vitrine a qual nos expomos.

O que está postado não volta atrás. Se perde no infinito do cosmos da internet.
Sua imagem fica lá, como um visual que nunca mais poderá ganhar outro corte de cabelo.
E nessas, confunde-se compartilhar o interessante com contar o trivial em seu estado mais tedioso.

São Paulo sempre terá trânsito às 18hs.

Antes do almoço é muito comum ter fome.

Dias tristes fazem parte da nossa vida, assim com dias de chuva fazem parte da semana.

O destaque do UOL é lido por grande parte das pessoas que trabalham com um computador.

Comentários e lembranças antes restritos ao nosso cérebro ou ao colega ao lado pulverizam-se para o mundo do template azul. O resultado é um bombardeio do óbvio. Uma intimidade forçada como uma foto dos curativos de um pós-operatório, de um prato de miojo instangrado, de caracteres dizendo o quanto chove lá fora.

A rotina escancarada perde todo seu encanto. O charme de poder contar ou convidar quem você quer que faça parte dela. Quem realmente importa entre sua enorme lista de amigos no Face.

Esses dias vi um projeto de um fotógrafo que tirou uma foto por dia, por um ano. Sua ideia era mostrar a beleza da rotina, do engano em acharmos que bons momentos são feitos somente do planejado.

Viver bem também está em um café num dia frio ou um encontro no supermercado com um amigo sumido. Mas garanto que retratar o alívio de ir ao banheiro depois de tomar muita água não fez parte dos seus cliques.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Reencontro


O que mais eu precisava comprar mesmo? Ah é, shampoo. Misturar com água tem limite também, não tava fazendo nem espuma mais. Pronto, acho que é isso. Shampoo, desodorante e um Gillete novo.

Opa, levando 6 ganha desconto? Vai seis então. Foda que esse Dove derrete. Malditos. Certeza que é de propósito. Mas o cheiro é bom. Melhor que aquele Phebo, que tem cheiro de véia.

Cacete. É ela. Não é possível. É ela mesmo? R$11,90 num barbeador? Tá louco, que facada. Esse é bem mais barato e faz a mesma coi-agora dá pra ter certeza. É ela mesmo. Caramba, como ela tá bonita. Cortou o cabelo curtinho, ficou animal. Tá com cara de mulher. Mulherão. Mas o jeito continua o mesmo. Aposto que vai ficar 3 horas decidindo entre a escova de dentes com o melhor custo-benefício. Coçar a cabeça, inclinando um pouquinho. E com uma resmungada pro preço, vai levar a Oral B de sempre.

Cadê o maridão pra falar para levar logo qualquer um? Deve ter divorciado então. Mulher assim não fica sozinha.

Há! Sabia. Levou a Oral B. Engraçado, nunca vi farmácia usar lâmpada quente, sempre esses tubos de luz fria para iluminar remédios e lá vai ela pegar o pacote amarelo. Always. Aí de mim se fosse outro, sem ser com “malha seca”.

Ué, levou outro. É, ela mudou mesmo. Eu que continuo igual. O azarado de sempre. Vestindo a camiseta mais furada do armário, respingada de molho de tomate e com um chinelo mastigado por um bulldog descontrolado. Será que ela lembraria do Milton? Bom, talvez sim. Mentalmente ele continua um filhote.

Não dá pra ir dar oi assim. Se ao menos eu soubesse... Bom, se eu soubesse muita coisa na vida seria diferente. Depois eu tento pegar o contato. O e-mail ainda tenho. Um chopp um dia desses, pra por o papo em dia. Ou não também. Tivemos nossa chance. Quer saber? Vou aproveitar que ela está entretida no balcão de remédios e sumir na bomba ninja.

Cacete, tô sem dinheiro vivo. Isso mesmo moça, rápido e no débito. Vai, cacete. Cartão Raia, CPF na nota, sacolinha, nada disso. Vamo VISA, ajude um amigo em apuros. Não peço muito. Só quero que a compra passe e eu passe despercebido.

É pegadinha, não é possível. Máquina discando? Merda. Acho que ela me viu. Ela tá vindo pra cá. Fudeu. Ahhh, agora me sai o papelzinho. Bela hora. Pronto, chegou.

- Amor, por que você já passou suas compras? Esperava a minha, né. A gente já tá atrasado.

Depois disso, por que ela pegou na minha mão com tanta naturalidade, eu juro que não sei.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

The Royal Wedding



Uma cena de um conto de fadas moderno toma as ruas de Londres. Aviões rasgam o céu que emoldura a torre do Big Ben, deixando para trás um rastro de fumaça colorida. Pelas ruas, milhares de súditos emocionados sacodem bandeirinhas do Reino Unido, sob uma chuva de papel picado.


Imóveis e perfilados, soldados trajando fardas vermelhas com o legítimo black power inglês e reluzentes mosquetões abrem caminho para o que vem chegando. Lá vem ela, exuberante em uma carruagem digna de ter sido fabricada de uma abóbora. Toda de branco, acenando para o mundo o anular que muito em breve receberá o mais cobiçado dos bambolês dourados.


É o chamado “casamento do século”, que movimentará bilhões de libras e alimentará sonhos de menininhas e consultórios pelo mundo afora com revistas de fofoca.


Mas antes que este tão aguardado dia chegue, algo pode acontecer. Um único diálogo com o poder de mudar para sempre o destino da realeza britânica e de toda bilionária tietagem que cerca a cerimônia.


Neste instante você encontra um tranquilo Príncipe William, muito bem acomodado em seu roupão de cetim por uma das salas do Palácio de Buckingham. Segura uma taça de vinho, fazendo movimentos circulares com a mão para fazer as notas da rara safra se expressarem melhor na sua língua.


Ao olhar pela porta, esboça se levantar da poltrona. Mas substitui o movimento por um largo sorriso.


- Olá, meu bem.

É ela: Kate Middleton, a futura rainha, trajando um confortável moleton do C.A da sua faculdade. Nas mãos, segura um calhamaço de papéis grampeados.

- Oi... – Senta no braço da poltrona e estala um beijo na sua bochecha rosada. E imenda, seca. – Precisamos rever a lista de convidados.


O príncipe olha para cima, num claro gesto de impaciência. Ia começar tudo de novo. Os nomes na berlinda já estavam destacados pela mais clássica das cores de caneta grifa-texto.


- Casal Obama. Você nunca trocou mais que um aperto de mão com eles, William. Não tem por que convidá-los.


O príncipe suspira.


- São amigos de papai, Kate. Não tem como deixar de chamá-los.


- Está bem, esses passam.


Sua voz começa a ganhar um tom agressivo. E continua:


- Mas esse tarado do Berlusconi não passa nem pela porta. Imagine só a cena? Vai xavecar todas as convidadas, aquele vexame terrível.


Impassível, o príncipe responde.


- Silvio Berlusconi vai ao casamento.


Kate se levanta como quem acaba de se sentar numa tachinha.


- Você quer que o nosso casamento seja um vexame? É isso? Quer que sua avó tome um beliscão na bunda? Que a madrinha escute um “ô lá em casa” macarrônico?


William respira fundo.


- Já tomamos as providências para ele se comportar. Ele chegará na festa bem cansado, fique tranquila.


- Pois eu não estou tranquila!


Um a um, Kate foi riscando seus motivos para tirar convidados da lista.


- Sarkozy? Capaz de Carla Bruni ir de branco e véu, só para roubar a cena.


- Angela Merkel? Quero páreo justo na briga pelo buquê.


- Luis Inácio da Silva? Bebidas destiladas dos trópicos não serão servidas nem por um decreto da rainha, sua Majestade, minha sogra-vó.


A teimosia fez William perder sua paciência real. Lentamente, colocou a taça na mesa de centro com orelhas quentes.


- Kate, muita coisa está em jogo nesse casamento. Somos pessoas públicas, representamos uma nação. Esses convidados são parte de nossa diplomacia, da nossa política internacional. Como é tão difícil para você entender isso?


A resposta veio de bate pronto:


- Como é difícil você entender que não vai ninguém querido para mim? Esse casamento é de todo mundo, menos nosso.


E a raiva desatou em choro. Se sentindo um traste, William puxou sua noiva ao encontro do seu peito.


- Meu bem... Vem aqui. Eu te entendo. É muito difícil mesmo. Admiro o sacrifício que você está fazendo por nós. A obrigação de uma vida impecável, vigiados para sempre por paparazzis e fofoqueiros. Eu entendo e agradeço. Mas não tem muito jeito... Faz parte do nosso papel, e da nossa vida agora.


Com o nariz vermelho e inchado, Kate enxuga as lágrimas com as costas das mãos e algumas fungadas.


- Desculpa, meu amor. Me perdoe... Estou sendo egoísta. Você está no mesmo barco, nessa cerimônia para os outros.

Jogou a lista em cima de mesa, e deu beijos repetidos e estalados pelo rosto de seu príncipe. A lista ficou escancarada na tampa de cedro envernizado. Entre todos os nomes, um se destacava. Um nome estranho, diferente de todos, que dispensava um grifa texto para ser destaque.

Lentamente, Kate alcançou a lista. Leu o nome. Leu uma segunda vez e virou-se para William, com a testa franzida e o dedo indicando a seguinte combinação: Stênio Garcia.


- Quem é esse? – Indagou a futura rainha.


William ficou branco. E tentando manter a frieza de um gentleman, respondeu:


- Um grande amigo de minha falecida mãe.


- Stênio Garcia? Nunca ouvi falar na minha vida nesse sujeito.


E perguntou mais uma vez para ser a última.


- Quem raios é Stênio Garcia e o que ele faz na nossa lista de convidados?


De cabeça erguida, William respondeu orgulhoso:


- Um ator brasileiro formidável, que tenho a honra de ser amigo íntimo. E ele vai na festa.


E com um chute na porta, a raiva voltou para Kate Middleton e seu rosto de traços finos:


- Ah mas não vai mesmo!


- Vai sim. E nada o que você diga ou faça me fará mudar de ideia.

Em tom de decidido desafio, ela responde:


- Se você confirmar este sujeito no casamento está tudo acabado entre nós.

William balança a cabeça, olhando para baixo.

- Pois então, está acabado.


Kate não diz nada. Está em choque. Catatônica.


E antes de levantar, o ex-noivo dá à sua citação um corajoso suspiro:


- “É uma cilada, William. É uma cilada.”