terça-feira, 29 de setembro de 2009

Palavrão










Não há nada mais redentor que um belo palavrão. É feio, sua mãe dizia. Mas ela mesma sabe o quanto é libertador e quase instintivo soltar um “PUTAQUEOPARIU, eu não acredito!” depois de uma notícia bombástica ou algo impressionante.

Pessoas que não falam nenhum, nadica de nada, zero palavrão sofrem. São quase rancorosas, como alguém que se deixa corroer por mágoas guardadas. Faz mal não encher a boca e carimbar aquele desgraçado que te fechou no trânsito ou o lazarento do patrão que joga golfe enquanto você trabalha no feriado, com um sonoro e silabado “FILHODAPUTA!”.

É quase como sexo. Quem diz que não faz, aposte seu Visa Vale carregado que sempre pensa. Até os mais improváveis soltam o seu palavrãozinho de quando em quando. Madre Teresa de Calcutá, certa vez descendo a escadaria de um hospital para leprosos, topou seu dedão, destroncando para cima uma de suas santas unhas.

Como uma erupção, ela soltou: “CARALHO que dor!”. Encabulada, tentou corrigir. “Er.. Desculpa filho, mais doeu demais”. Nâo adianta, eles estão lá, no topo da nossa lista de vocabulários. E são enviados para ponta da nossa língua sem nossa permissão.

E para palavrões o português brasileiro, seguindo o caminho de nossa música e culinária, é rico como um deputado que manda construir um castelo. Sempre tem o palavrão perfeito para a pessoa ou ocasião. Tome como exemplo alguém que queira questionar a sexualidade de um por esse vasto Brasil de Deus. No Nordeste, será baitola. No Sudeste, bixa. No Centro-Oeste, viado. No Sul, tchê. E por aí vai! Tem sempre o palavrãozinho certo para seu momento e intenção.

Mas não há prova maior da riqueza de nossos palavrões tupiniquins do que duas palavras. Nos EUA, a grande potência mundial, só existe uma: shit. Aqui não, amigo meu. Na terra da seleção penta campeã, temos um par, com a mesma origem mas com pequenas diferenças: Merda e Bosta. Mais que o nome do que bóia no Tietê ou gruda no seu sapato, ambas são utilizadas para expressar seu profundo descontentamento com algo.

Além dessa função, o par de ouro dos palavrões também tem outro propósito. Definir imbecis. E é aí que entram as nuances que só um brasileiro percebe. “Ah, ele é um merda!”. Repare. A pessoa que é um merda pode ser seu amigo. Existe um carinho nesse palavrão. O “Merda” é alguém que faz burradas (ou cagadas) às vezes. Pode ser um coitado, um pobre-diabo desastrado que se atrapalha e merece essas cinco letras.

“Nossa, ele é um BOSTA!”. Esse não. O “Bosta” é um mau-caráter. Sujo, vil, perverso. Está muito abaixo de quem é um Merda, pois buscou e fez por merecer este carimbo. Ele está entre o desgosto e o ódio, costurado com a linha do desprezo. Se você é um Merda, pelo menos com alguns banhos o cheiro sai.

Um belo palavrão é como o amor. É preciso saber usá-lo. Dosar, ter parcimônia para na hora que ele chega, aproveitá-lo com a intensidade que o juiz que marcou pênalti contra seu time merece.

Bom. Por aqui encerro esta reflexão. Tá frio pra caralho e eu estou com um sono da porra.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Fazendo as Unhas

















Tudo começou com uma olhada no espelho, que determinou o fim do cabelo.

O momento que a vaidade e o orgulho próprio são mandantes da degola a tesouradas dos fios de cabelo revolucionários, que se recusam a continuar compondo a diária procura de estar bem para o sexo oposto – ou você mesmo.

“Preciso cortar, tá foda.”. A hora do abate das madeixas é sempre sem volta. Quando essa decisão é tomada, a fome é por um lugar numa cadeira giratória com uma toalha de plástico que pouco adianta para evitar de te deixar pinicando o resto do dia.

E juntando a fome com a vontade de comer, saí no glamouroso horário de almoço da Vila Olímpia a procura de um lugar para saciar meus roncos de vaidade.

Fachada nova, recepcionista nova. Ao invés de Neide, Neusa, ou alguma variante do “Nê”, fui recebido por uma plumosa e colorida Drag Queen.

- Opa... Mudou o nome daqui?
- Mudou, querido!

O novo lugar prestava homenagem à Santíssima Trindade Musical Gay. Sentada a direita de Madonna, toda poderosa, está Rosana, com seu one hit wonder “Como uma Deusa”. E logo ao lado, a atriz e semi-travesti Cher, que emprestou o seu nome ao salão.

E é no “Salão Cher” que entram as unhas.

Nada de cabelos pelo chão, ou mulheres lado a lado com um abajour na cabeça fofocando sobre a inédita novela que acaba em casamento e é gravada no Leblon. Mas manicures. Muitas, milhares! Um batalhão delas perfiladas em suas cadeiras, lixando, pintando, esmaltando unhas de mãos e pés com separadores de madeira entre os dedos.

Um cabelo cresce, perde o corte, entra na orelha. Mas e uma unha? Unhas sujam, emprestam faixas brancas às pontas dos dedos. Mas mulheres tratam elas com o mesmo cuidado que tem com suas madeixas, com a diferença que são cuidadas semanalmente, por algo em torno de 15 reais.

Se não tiver roxo esverdeada, comprida e cheia de terra ou em carne-viva de tão roída, homens simplesmente não reparam. Melhor: não se importam.

“Eu me visto para as mulheres e me dispo para os homens”, diz a citação.

Vale quase o mesmo para as unhas femininas. Uma unha de esmalte na cor certa e uma cutícula na medida é como a lojas Marisa: de mulher para mulher. Ela completa sua beleza, mesmo que só para ela (ou elas). Um item essencial para completar uma bela roupa, para uma bela ocasião. Não existe vestido de festa chique sem unha feita antes.

Por isso, sua grande contribuição para agradar o sexo oposto está na auto-estima, no se sentir bonita, gouxtosa. A metade da receita para a irresistibilidade de uma mulher charmosa.

Homens tem poucos recursos para ficarem bonitos além do que sua mãe ou a mãe natureza lhe deram. A roupa certa, a barba, o cabelo, compondo um certo estilo. Do que os olhos vêem, limita-se a isso. O resto é combinado com seu papo, seus gostos e os demais itens de personalidade que compõe o mojo para aquela que lhe dedica algum suspiro.

Mulheres tem superfícies de pias e armários abarrotados de truques e alternativas. Decotes, estojos de maquiagem, diferenciados cortes e tratamentos de cabelo, vestidos tomara-que-caia, saias... e unhas.

Belas, reluzentes, esmaltadas e lindíssimas unhas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ela Não Falou Com "!"




















Aron diz:
e ela falou q sim! q me mandaria msgs amanha!
Aron diz:
krAi...

Fuba diz:

ah entao relaxa cara
Fuba diz:
esse tipo de ansiedade é normal

Aron diz:

mas nao falou com "!"
Aron diz:
AHHauahuahua
Aron diz:
eh eu sei
Aron diz:
eh q gostei do beijo dela


São de diálogos assim, como o que acabei de ter com esse grande amigo com quem vos copio e colo, que vivem os recém-flechados pela paixão. A ansiedade de quem acabou de dar o primeiro passo para um futuro incerto como o pedido no almoço terça que vem.

Um pequeno beijo para um homem, um grande encontro entre lábios que pode ser o primeiro de muitos.

Ou não. Tudo que o primeiro beijo conclui, entre meses, semanas ou mesmo minutos de xavecos e trocas de olhares dá lugar ao inicio de um novo ciclo, repleto de expectativas. E normalmente começa nos dias que seguem o feliz momento do gol, de celular na mão, teclando e re-teclando um simplório SMS que diz “gostei de ontem, viu” da maneira mais cool e blasé possível.

A satisfação e alegria de ter tido o seu interesse selado com saliva e selinhos como “mútuo” dá lugar a um turbilhão de expectativas. Casos antigos vem a tona, com os erros cometidos passando como um filme da “Sessão das Ex”. E nessa hora, entra em campo a busca pelo mais difícil dos equilíbrios, dono de dois pontos extremos: demonstra o que sente, e ganha a textura de um pentelho grudento ou limita-se a falta de ação e congela-se num grande bloco de mané?

O grande problema é que o quanto uma paixão encanta e provoca deliciosos devaneios sorridentes, ela nos cega do bom juízo. Não existe apaixonado blasé e cool em suas mensagens de texto. Esse tipo não passa de um admirável John ou Zé Mayer em carne e osso. O original se atrapalha, digita errado e verifica a cada dezena de minuto se seu catastrófico SMS teve resposta.

Numa paixão, a alegria do coração é a ruína do cérebro. Pensa-se em tudo, analisa-se demais todo e qualquer sinal de interesse ou rejeição, sempre com o pé atrás da bagagem dos fracassos amorosos antigos.

- “A amiga foi muito simpática, isso é bom! Não é?”
- “Se despediu no e-mail com ‘bjs’ e não ‘beijos’”
- “Ela não falou com ‘!’”

“Deixa rolar, deixa fluir. Seja você mesmo, é como melhor funciona”. O conselho que te faz querer voar por cima da mesa e sacudir o pescoço do seu amigo, gritando: “É por que não é com você, seu puto!!”, infelizmente é bastante verdadeiro.

O melhor a ser feito é esquecer suas aulas de semiótica e não tentar interpretar tudo que chega aos seus olhos e ouvidos, atendo-se somente ao que é óbvio e claro, como um “É mesmo, lá deve ser ótimo”. As chances de encontrar algo de realmente válido naquelas mil hipóteses que você cogita por segundo não valem o estresse que você passa procurando por elas.

É preciso lembrar é que, se a flecha for de duas pontas, a ansiedade de um lado repete-se no outro. Logo, não vai ser uma exclamação a mais ou a menos que vai fadar o seu insucesso. Se ambos estão interessados e gostaram do que viram bem de perto, basta a intenção. Basta que a mensagem chegue.

Aron diz:
Ela é demais meu merda! To gamadaumm... hihi! hahahaha

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Dá um Caldo













É recorrente no universo masculino, principalmente em bate-papos regados a café, água, suco, chopp ou ar, conversar sobre a gostosura da mulherada alheia. E assim como um frango de granja, nada delas deixam de ir à mesa. Comenta-se sobre tudo: a bunda arrebitada, o peito que o decote emoldura, o pescoço que incita farejadas a queima roupa, narizes, coxas, dedos, bocas… Nada escapa do aguçado olhar masculino e sua descrição engolindo salivas.

É bobo, superficial, é machista. Mas não existe ocupação mais divertida e bacana do que comentar com os coleguinhas as curvas que desfilam caminhando em linha reta. Homens são seres visuais, está no DNA, no instinto. E para nós, assim como o fotojornalismo premiado, uma imagem diz – e anima - muita coisa. Vide os primeiros exemplares de Playboy comprados aos 13 e escondidos embaixo do armário da pia (e que no meu caso, tiveram um triste fim quando a empregada decidiu lavar o banheiro).

Uma mera visão de uma barba por fazer e charme por conhecer caminhando pela rua é muito pouco para uma mulher. Não que desgoste de olhar, mas não excita nada além de algumas breves olhadas imperceptíveis à sensibilidade masculina. Para elas, melhor que ver, é sentir. Como bem já cantou Marisa Monte, bom mesmo é um corpo pesando sob o seu.

Podem até ter razão, mas para nós na maioria dos casos, basta um peitão. Para cada corpo feminino analisado existe um quase infinito leque de linguajares e termos técnicos, de conhecimento de qualquer um que vê muita graça em cenas de beijos lésbicos. Cavala, mignon, camarão, gordelícia, creme… São muitos os nomes que carimbam e dão os acordes dos corpos de violão (ou violão-celo) que fazem seus shows por aí. Mas entre todos eles, o mais interessante só podia derivar do melhor dos adjetivos ao tipo físico: o elogioso “gostosa!”, ainda melhor quando dito com X e a boca cheia.

“Gouxxtosa!”. O que um americano descreveria com um simplório “oh man… she´s so hot”, pro brasileiro tem o charme de um sambinha bem feito. Saboreamos nossas musas como quem fecha os olhos como uma garfada de feijão temperado. Um prato bem feito provoca um apetite muito parecido com o daquela maravilhosa que arrasta olhares. Por isso, o gostosa.

E quando ela não é tamanha beldade? É gostosa sim, merece as sete letras. Mas não por completo. Tudo no lugar, menos alguma coisa. Um olho meio de mal com o outro, uma bunda que levaram e nunca mais devolveram, um sorriso cujas gengivas são maiores que os dentes pequeninos. Para definir essa misteriosa e tão pessoal figura, novamente nos apropriamos de mais um termo culinário.

- E a Florinda hein Jair, que se acha?

- Ah cara… Ela dá um caldo.

Muito longe do retangular e insosso caldo Knorr, na culinária o caldo tem papel fundamental para dar o sabor que faz comer embaixo da mesa. O caldo é a esperteza do chef de mão cheia. Aproveita o suco, o resumo, o que derreteu do cozimento da carne ou frango entre azeite, cebolas e outras delícias de cheiro bom para os próximos pratos.

A mulher “que dá um caldo” tem algum defeito que não agrada o paladar comum, mas tem a sua gostosura própria. Algo inexplicável, aproveitável, que queria ou não, tem o seu vapor – ou valor - quando se abre a tampa.

O fato é que a mulher que se namora e o prato que se escolhe dependem igualmente da sensação que se passa quando em contato com a língua. O que existe de intragável em uma azeitona para um, é o toque indispensável para a empadinha de outro.

Já o caldo é uma escolha unânime da roda de conversa gastronômica. Um consenso entre todos que o objeto de análise tem sim o seu valor, dá o seu caldo suculento e saboroso que combina com todo um cardápio.

O caldo pode não ser o prato principal, mas rende por muitos jantares.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Diálogo de Amídalas










De saída de uma sessão das 9 e meia de segunda, dois amigos batem a porta e seguem para casa no ronco de um motor 1.0. No banco do carona, Ari tenta fazer um comentário sobre as curvas da atriz principal, mas acaba mudando de assunto por engolir sua saliva com uma careta.

- Nossa, minha garganta tá zuada demais. Minhas amídalas tão com pus até, cara.

Logo depois de engatar a terceira marcha, o amigo e motorista responde com um sorriso na voz.

- Pensa pelo lado bom cara... podiam ser seus testículos.

- É... Tem razão. – ri de leve, sacudindo os ombros - é bom ter um amigo para mostrar o lado bom das coisas.

- Pois é, você é um rapaz de sorte.

O carro acelera e atravessa o sinal amarelo quase subindo para o vermelho - que para a imensa maioria dos paulistanos ainda é verde. Pablo, o motorista e piadista, olha para a noite pela janela abaixada e recebe a brisa e o cheiro de 11 da noite no rosto.

- Que noite boa pra tomar uma brejinha... Você fecha?

- Nao cara, com essa garganta.. Não dá. Se eu quiser te acompanho.

- Ah sussa, então desencana. – Pablo boceja, substituindo a vontade de entornar um copo americano por deitar sua cabeça num travesseiro. E abrindo a boca com um meio sorriso, continua:

– Mas que a noite tá boa, tá... Se você fosse uma mina ia te levar pra casa, embebedar e tentar te comer.

Ari rebate à altura:

- Cara, se eu fosse mina você ia me levar pra minha casa. E só.

- É, e provavelmente gastar muito mais.

E rindo, o 1.0 segue seu caminho pela avenida Brasil.