quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Um Conto de Natal

Nos corredores do CDPN (Centro de Distribuição do Pólo Norte), um duende caminha entre aflito e apressado. O ansioso serviçal costura pelas baias em passadas rápidas, desvia de carrinhos com papeladas misturando “boa noite” com “licença”.


É dezembro, véspera de entregas da maior e mais complexa operação logística da face da terra. O imponente escritório é um caldeirão de carimbos, memorandos e toques de telefones incessantes.


O esforçado pequenino leva em suas luvas brancas um papel timbrado, ainda com as cicatrizes de um puxão do caderno.


Ao parar na porta feita de um carvalho maciço e envernizado, o duende inspira longamente.


- Entre.


Uma voz grossa e rouca vem de dentro do escritório, antes mesmo que ele esboçasse dar três toques na porta.


Atrás da sua larga mesa retangular, com um tampo de mármore repleto de latas vazias de energético e canecas de café, o atarefado velhinho revisa as rotas de entregas. O rosado de suas bochechas se acinzenta com o escuro fundo de suas olheiras.


Contorce o cigarro – Derby vermelho, sem filtro - no abarrotado cinzeiro e acompanha a entrada do seu subordinado no recinto. O estressado velhinho só ergue os olhos do papel, deixando-os logo acima do óculos que se equilibra na ponta do seu nariz.


Com um suspiro impaciente, pergunta.


- O que foi agora, Joel?


- Senhor... Tenho algo muito importante comigo. Uma carta.


Papai Noel balança a cabeça negativamente, ainda olhando para baixo. Inclina suas costas na cadeira e fixa com firmeza seus olhos azulados no duende parado a sua frente.


- Uma carta? Você realmente se superou dessa vez, Joel. Eu tenho um departamento inteiro para ler e protocolar cartas e você vem me trazer uma carta?? Eu lidero uma operação que atravessa em uma noite mais de 5 continentes e você acha -


- Senhor. – O corajoso duende interrompe. – Eu entendo. Mas você realmente precisa ler essa carta.


- Não me diga que você agora se deu por sentimental. O mundo mudou. A concorrência está aí. Amazon, Sedex10, Fedex. Ou você acha que eu tenho bala para investir em um filme sobre náufrago? Eu entrego a bola de vôlei, não faço dela o Oscar de ator coadjuvante. Você sabe disso. O Departamento de Correspondência executa há anos essa função e vai muito bem, obrigado.


- Mas o seu conteúdo, entra na Lista. A sua Lista, que você entrega pessoalmente, sem usar os sósias de shopping.


O Papai Noel suspira sua indiferença com um suspiro.


- Há muito tempo que algo não entra na Lista. Tudo que chegam são pedidos pelo lançamento da moda, que é logo substituído por uma manha bem feita e a liquidação de janeiro. Rasgar o meu embrulho perdeu o charme faz tempo. Não vale o esforço. E você sabe muito bem disso.


- Mas essa é diferente. Por favor, leia.


O rosa das bochechas viraram vermelho de cólera.


- Puta que pariu! O que deu em você, Joel? Você sempre foi meu ajudante mais eficiente. Pedido por Paz Mundial? Por um irmãozinho? Por brinquedos para o orfanato inteiro? Nada disso cola mais, rapaz. Aceite a realidade. Agora chispa daqui. Eu e você temos uma frota de trenós para administrar.


- Está bem senhor. Desculpa tomar seu tempo. Vou voltar às minhas tarefas.


Cabisbaixo, Joel sai da sala.


Papai Noel tira seu maço da gaveta e acende um cigarro com seu Zippo com o desenho de um pinheiro natalino. Fecha a gaveta com uma pancada.


Fica parado com as botas na mesa, olhando pensativo para o isqueiro que ganhou no último amigo secreto do CDPN. Depois de minutos de reflexão, ele a vê. Presa sob o cinzeiro, a fatídica carta. Estica seus dedos roliços com um resmungo de “esse Joel...” e desdobra o papel.


“Oi Papai Noel, tudo bão?


Tenho um pouco de vergonha de escrever isso pro senhor. Já to velho pra essas coisas.


Escrevo por que esses dias, a mulher. Não, sogra do meu amigo. A moça do rapaz que trabalha comigo foi sair com meu carro e deu de ré. Aí já viu. Ela tava novinha. Amassou tudo. Uma desgraça só. É uma Belina álcool, 4 x 4, verde. Placa MBE – 4785. Passou a praça, do lado do abacateiro. Não coloco na sombra por que esses abacate fazem um estrago que só.


Se o senhor puder me dar a funilaria de presente eu ficaria muito agradecido. Muito mesmo.


Obrigado e desculpa qualquer coisa,


Jurandir.”


Da sua mesa, o bom velhinho interfona.


- Joel, prepare o meu trenó.