segunda-feira, 10 de março de 2014

O Rei Midster


Conta a Mitologia e confirma o Wikipédia que certa vez Baco, o deus do vinho, deu por falta do seu pai, Sileno. O bebum vovô havia se perdido no caminho de volta para casa e fora encontrado por camponeses, que levaram o velho ao seu rei, Midas.

O rei o reconheceu e recebeu Sileno com hospitalidade, canja e café preto. Dias depois, devolveu-o para Baco. Extremamente grato, o deus do vinho ofereceu para Midas a recompensa que ele desejasse.

Decidido, Midas pediu que tudo que ele apontasse se tornasse imediatamente hipster.

O Rei Midas seguiu de volta para seu castelo, ansioso para testar seu poder. A expressão de espanto nos seus olhos revelaram pouco de sua euforia ao tocar no cavalo que montava: o animal havia ganhado uma barba cheia e um óculos de aros de tartaruga.

Inflado de alegria, esporou o lombo de seu puro-sangue e partiu a galope para seu castelo. Ao ordenar que os guardas abrissem o portão, uma grata surpresa se revelou. O castelo havia se tornado o Copan.

Midas queria comemorar e contar para todo o Reino o seu maravilhoso dom. Empolgado para organizar um baile de gala, se apressou a apontar para um criado de confiança. Para seu espanto, ele havia se tornado o DJ Tutu Moraes.

Em um dado momento da festa, reuniu seus súditos e mandou buscar um globo terrestre. Debaixo de olhos atentos, primeiro apontou para Austin, Texas. Em seguida, seu dedo mágico indicou lindas praias: Alter do Chão, Ilha do Marajó, Caraíva e São Miguel dos Milagres.

Motivos para celebrar não faltavam. Por isso, ordenou que um grande banquete fosse servido. Food trucks de toda região e de culinárias exóticas foram convocados.

Mas no momento de levar o garfo a boca, o horror: o rei foi tomado por uma compulsão incontrolável. A cada novo prato apresentado, a reação era a mesma. Postava prato por prato no Instagram, sem dar sequer uma única garfada.

Desesperado pela inanição eminente, sua querida filha correu para acudi-lo. Consternado, o rei Midas a viu ganhar um coque e vestir uma camiseta lavada de uma banda obscura da Islândia.

Ergueu as mãos em preces e ligou para Baco, implorando que ele lhe tirasse o poder. Divindade misericordiosa, o deus do vinho consentiu, mas teria que ser mais tarde. Ele estava na feirinha da Benedito comprando discos.




segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Entrevista de Emprego


Após a tensa sabatina com o CCO, o CFO e todo o board de conselheiros, o executivo Otávio chegou ao momento de sua entrevista final com o sisudo presidente da multinacional.

- O headhunter que te indicou frisou um ponto alto do seu curriculum. Há quanto tempo você exerceu essa função?

- Há 25 anos, senhor.

- Em qual área?

- Organização de fila de pula-pula e pintura de rosto.

- Certo. O que você pintava?

- Dependia do pedido. Normalmente borboletas para as meninas, tigre para os meninos. Mas teve um dia que um garoto pediu um dragão, de asas abertas, imponente.

- E como você enfrentou esse desafio?

- Confiante. Vinha me preparando há tempos para aquele momento. 

- Você se considera competente para lidar com pressão?

- Sim, sem dúvida.

O CEO olhou fixo para Otávio. Sem desprender os olhos do entrevistado, tirou o Rolex dourado de seu pulso e alisou seu braço, franzindo um semblante pensativo. Em seguida, abriu lentamente sua gaveta e tirou o fantoche de um macaquinho. 

Subitamente, o pequeno primata de pano ganhou vida. 

E com um gesto rápido, Dênis o Macaco Bom de Bola, assinou sua contratação.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Atendente


Em um Starbucks do Jardim Paulista, um atendente de poucos sorrisos anota pedidos.

- Me vê um capuccino grande, por favor.

- Certo. Nome?

O atendente sonda o freguês de cima a baixo com olhos impacientes.

- Carlos.

- Ok. Se quiser ficar ao lado, ele fica pronto em um instante.
Passam alguns minutos até Carlos receber seu copo e caminhar para a mesa com o corpo inclinado por segurar o jornal com o sovaco esquerdo.

Toma um gole do seu aguado café de charmoso nome italiano e abre satisfeito o seu Estadão. Para seu espanto, não foi a manchete sobre a mais recente maracutaia que o surpreendeu. Lá estava ele. Escrito de caneta preta e letra de fôrma, bem centrado no copo de isopor descartável: “Peitinho”.

Com uma expressão incrédula, Carlos caminha lentamente ao balcão, com uma pergunta franzida no rosto.

- Licença. Esse copo era o meu?

- Você pediu um cappuccino médio?

- Pedi.

- Então é seu.

- E o que isso significa?

Mostra o copo. O que o atendente não esconde o sorriso maldoso.

- Você está me chamando de peitinho? É isso?

Os demais clientes desconectam da Matrix de seus smartphones e tablets, esticando suas orelhas e olhares para acompanhar a história que contarão com onomatopéias para toda sua timeline.

- Desculpe se eu preferi ir com algo mais informal. Um apelido carinhoso, ué.

- Carinhoso??

Antes que completasse o titulo de sua indignação, o atendente já o interrompe.

- Olha amigo, não fui eu que te dei esse apelido. Foi o colégio inteiro, imagino.
A platéia já nem disfarça a curiosidade. Todos os olhos do lugar acompanham o desfecho da história.

- Ei!!

Um cliente se levanta e avança a passos rápidos para o balcão. Segura o copo com a ponta dos dedos, como um ator que mostra o rótulo do refrigerante antes de dar um gole.

Lá estava. “Boca de caçapa”, escrito com letra de fôrma.

Já não tinha o que disfarçar. O café era um silêncio completo. Uma torcida apreensiva e ao mesmo tempo maldosa, ávida por um belo barraco.

- O que está acontecendo? Algum problema?

O gerente interrompe antes do pior acontecer.

- Esse desgraçado escreveu no meu copo, me ofendendo.

- Kléber. Vá para dentro, por favor.

Sem dizer uma palavra, Kléber empurra a porta vai-vem logo atrás e some da vista dos clientes ofendidos.

- Senhores, me desculpem. Ele...

- Você tem que mandar esse desgraçado embora.

- E por justa causa! Eu lá tenho boca-de-caçapa?

Carlos envia um olhar de compaixão ao seu aliado. Mas não evita de reparar que ele realmente tinha uma boca enorme.

O gerente olha fundo para Carlos e faz sua promessa.
 
- E eu vou demitir. Dou minha palavra. Isso é inadmissível! Onde já se viu? Ofender assim um cliente? É a última vez que ele faz isso. Peço mil desculpas, senhor Peitinho.