quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Ctrl S

Sentado a frente de um word em branco, desafiado pelo “documento 1” nascido de um clique numa folinha de papel pixel. Já era tarde da noite quando o azulado do monitor iluminava seu quarto; uma página da casa-cláudia decorada com cama, armário e escrivaninha.


Olhou a sua volta, inclinando as costas e a cabeça para trás. Culpou seu quarto por alguns segundos. Talvez se a porta lesse “detetive particular” e uma loira cúmplice entrasse em câmera lenta, seria diferente. Rechearia suas páginas de talento e entusiasmo, iluminado por um foco de luz cortado ritmicamente pelas pás do ventilador de teto.

Infelizmente tal inspirador clima noir era longe de sua realidade. O retiro criativo desse escritor era um quarto branco e sem sal como sua comida. Nada de filtros contorcidos num cinzeiro, ou xícaras com um fundo de café frio e açucarado. Sentado na sua mesa, tudo que o aspirante a narrador vestia era uma arejada samba canção, despido de criatividade há tempos. De cotovelo apoiado na mesa e dedão encaixado nas têmporas, espremia sem sucesso uma idéia de sua testa.

O bloqueio criativo havia dado um golpe e deposto toda liberdade criativa. Até a madrugada, confiável inspiração aos apaixonados e artistas, tentava em vão soprar idéias a um coitado que suplicava sua ajuda. O rapaz imaginava tudo, escrevendo nada. Tudo que via era a solitária barrinha de texto, que piscava antecipação como se esperando o tiro para sair em disparada. E num lampejo, foi o que fez – deixando na sua corrida letras, vírgulas e lembranças.

Segundos antes de mexer seus dedos, o zumbido das ondas na praia flutuou pelos seus tímpanos, trazendo com ele o gelado da ansiedade e da brisa do mar.

Meu calcanhar fazia pequenas fôrmas côncavas, deixando na areia úmida colheradas de servir sorvete. Caminhava a passadas firmes, até então o único movimento consciente e seguro naquele passeio. Paramos, olhando nos olhos antes mesmo de se virar. A simplicidade de tudo assustava. Restava decidir para que lado inclinar duas bocas, já ligeiramente entreabertas.

Foi um luau de noite nublada que me trouxera até ali. Agora há pouco, antes de se aventurar na caminhada, estava sentado entre amigos e conhecidos, todos com suas cervejas e intenções com o sexo oposto logo a mão. Conversas e risadas sondavam interesses em comum e beijos que dariam certo, na busca por paixões intensas o suficiente para passar a noite. E eu, sentado num toco de madeira, saboreava o malte de minha cerveja - amarga como o medo de ficar sozinho.

Fechei os olhos para um longo gole, concentrando no líquido que escorria para o ralo da garganta. Abri-os devagar, focalizando num fade lento uma suposta figura feminina. Uma súbita injeção de ansiedade repeliu minhas pálpebras, no bom e ridículo arregalo de surpresa: do outro lado da fogueira, ela. Rindo, enquanto empurrava o canto da sua franja para trás da orelha.

Por pouco consegui segurar um suspiro, mas o deixei escapar de um jeito um tanto quanto afeminado. Ah.. ela. Despertava em mim uma paixão escolar de desejo universitário. De querer entrelaçar seus dedos e subir as nuvens com um beijo na bochecha, a mordiscar seu pescoço por uma tórrida tarde refugiada num edredom.

E assim, sempre, que o agradável inesperado toma forma. Perdido em divagações de amor, cerveja e desejo platônico, não sequer notei justamente quem olhava sem fingir desinteresse.

Após exatos quatro longos segundos de contato entre pupilas, ela se levantou, sorriu com seus olhos e caminhou sozinha para o escuro da praia. Me conheço muito bem para compreender o valor de uma injeção de confiança, e não hesitei em levantar antes que a insegurança me forçasse a escutar outro violão do Legião Urbana.

O calor da chama logo ficou para trás, e eu a alcancei com a determinação de quem não tem a mínima idéia do que dizer. Sentia a areia entre o vão dos dedos, concentrando em caminhar como um bípede humanóide antes de cumprimenta-la.
Um aberto sorriso e um “oi”, recíproco e sincero. Seu sorriso encantava, com uma malícia que ao mesmo tempo fervia meu sangue e me derretia como manteiga.
Paramos, frente a frente. O escuro azulado me permitia delinear as silhuetas de um vestido branco, charmosa até no modo que segurava suas sandálias pelas pontas dos dedos. Tudo estava quieto. Um silêncio gritante, cortado pelo compasso de um bumbo marcado no meu peito.

O tempo estava tão devagar que o próprio zumbido do mar ficou mudo. A inércia do desejo nos inclinou para frente, nos aproximando devagar e de olhos semi-cerrados, sentindo o calor de uma úmida respiração em retorno.
O mar, escuro e pontilhado de estrelas, se esforçava para puxar-nos pelo calcanhar, sempre recuando para pegar mais impulso.


Suspirou. Fechou a página, agora completa por letras Times. Levantou-se de sua cadeira devagar e pensativo, ainda com o gosto de outra saliva molhando seus lábios. Caminhou para fora do quarto, lembrando de esticar o braço para trás para desligar o monitor.
O movimento brusco deixou o aparelho a balançar, como uma cadeira de avó fazer tricô. E a tela, antes brilhante e azulada, viu-se escura e pontilhada de pixels, ciente que nunca se retorna de um recuo – mesmo que seja para um impulso.