quinta-feira, 21 de abril de 2011

Reencontro


O que mais eu precisava comprar mesmo? Ah é, shampoo. Misturar com água tem limite também, não tava fazendo nem espuma mais. Pronto, acho que é isso. Shampoo, desodorante e um Gillete novo.

Opa, levando 6 ganha desconto? Vai seis então. Foda que esse Dove derrete. Malditos. Certeza que é de propósito. Mas o cheiro é bom. Melhor que aquele Phebo, que tem cheiro de véia.

Cacete. É ela. Não é possível. É ela mesmo? R$11,90 num barbeador? Tá louco, que facada. Esse é bem mais barato e faz a mesma coi-agora dá pra ter certeza. É ela mesmo. Caramba, como ela tá bonita. Cortou o cabelo curtinho, ficou animal. Tá com cara de mulher. Mulherão. Mas o jeito continua o mesmo. Aposto que vai ficar 3 horas decidindo entre a escova de dentes com o melhor custo-benefício. Coçar a cabeça, inclinando um pouquinho. E com uma resmungada pro preço, vai levar a Oral B de sempre.

Cadê o maridão pra falar para levar logo qualquer um? Deve ter divorciado então. Mulher assim não fica sozinha.

Há! Sabia. Levou a Oral B. Engraçado, nunca vi farmácia usar lâmpada quente, sempre esses tubos de luz fria para iluminar remédios e lá vai ela pegar o pacote amarelo. Always. Aí de mim se fosse outro, sem ser com “malha seca”.

Ué, levou outro. É, ela mudou mesmo. Eu que continuo igual. O azarado de sempre. Vestindo a camiseta mais furada do armário, respingada de molho de tomate e com um chinelo mastigado por um bulldog descontrolado. Será que ela lembraria do Milton? Bom, talvez sim. Mentalmente ele continua um filhote.

Não dá pra ir dar oi assim. Se ao menos eu soubesse... Bom, se eu soubesse muita coisa na vida seria diferente. Depois eu tento pegar o contato. O e-mail ainda tenho. Um chopp um dia desses, pra por o papo em dia. Ou não também. Tivemos nossa chance. Quer saber? Vou aproveitar que ela está entretida no balcão de remédios e sumir na bomba ninja.

Cacete, tô sem dinheiro vivo. Isso mesmo moça, rápido e no débito. Vai, cacete. Cartão Raia, CPF na nota, sacolinha, nada disso. Vamo VISA, ajude um amigo em apuros. Não peço muito. Só quero que a compra passe e eu passe despercebido.

É pegadinha, não é possível. Máquina discando? Merda. Acho que ela me viu. Ela tá vindo pra cá. Fudeu. Ahhh, agora me sai o papelzinho. Bela hora. Pronto, chegou.

- Amor, por que você já passou suas compras? Esperava a minha, né. A gente já tá atrasado.

Depois disso, por que ela pegou na minha mão com tanta naturalidade, eu juro que não sei.


segunda-feira, 4 de abril de 2011

The Royal Wedding



Uma cena de um conto de fadas moderno toma as ruas de Londres. Aviões rasgam o céu que emoldura a torre do Big Ben, deixando para trás um rastro de fumaça colorida. Pelas ruas, milhares de súditos emocionados sacodem bandeirinhas do Reino Unido, sob uma chuva de papel picado.


Imóveis e perfilados, soldados trajando fardas vermelhas com o legítimo black power inglês e reluzentes mosquetões abrem caminho para o que vem chegando. Lá vem ela, exuberante em uma carruagem digna de ter sido fabricada de uma abóbora. Toda de branco, acenando para o mundo o anular que muito em breve receberá o mais cobiçado dos bambolês dourados.


É o chamado “casamento do século”, que movimentará bilhões de libras e alimentará sonhos de menininhas e consultórios pelo mundo afora com revistas de fofoca.


Mas antes que este tão aguardado dia chegue, algo pode acontecer. Um único diálogo com o poder de mudar para sempre o destino da realeza britânica e de toda bilionária tietagem que cerca a cerimônia.


Neste instante você encontra um tranquilo Príncipe William, muito bem acomodado em seu roupão de cetim por uma das salas do Palácio de Buckingham. Segura uma taça de vinho, fazendo movimentos circulares com a mão para fazer as notas da rara safra se expressarem melhor na sua língua.


Ao olhar pela porta, esboça se levantar da poltrona. Mas substitui o movimento por um largo sorriso.


- Olá, meu bem.

É ela: Kate Middleton, a futura rainha, trajando um confortável moleton do C.A da sua faculdade. Nas mãos, segura um calhamaço de papéis grampeados.

- Oi... – Senta no braço da poltrona e estala um beijo na sua bochecha rosada. E imenda, seca. – Precisamos rever a lista de convidados.


O príncipe olha para cima, num claro gesto de impaciência. Ia começar tudo de novo. Os nomes na berlinda já estavam destacados pela mais clássica das cores de caneta grifa-texto.


- Casal Obama. Você nunca trocou mais que um aperto de mão com eles, William. Não tem por que convidá-los.


O príncipe suspira.


- São amigos de papai, Kate. Não tem como deixar de chamá-los.


- Está bem, esses passam.


Sua voz começa a ganhar um tom agressivo. E continua:


- Mas esse tarado do Berlusconi não passa nem pela porta. Imagine só a cena? Vai xavecar todas as convidadas, aquele vexame terrível.


Impassível, o príncipe responde.


- Silvio Berlusconi vai ao casamento.


Kate se levanta como quem acaba de se sentar numa tachinha.


- Você quer que o nosso casamento seja um vexame? É isso? Quer que sua avó tome um beliscão na bunda? Que a madrinha escute um “ô lá em casa” macarrônico?


William respira fundo.


- Já tomamos as providências para ele se comportar. Ele chegará na festa bem cansado, fique tranquila.


- Pois eu não estou tranquila!


Um a um, Kate foi riscando seus motivos para tirar convidados da lista.


- Sarkozy? Capaz de Carla Bruni ir de branco e véu, só para roubar a cena.


- Angela Merkel? Quero páreo justo na briga pelo buquê.


- Luis Inácio da Silva? Bebidas destiladas dos trópicos não serão servidas nem por um decreto da rainha, sua Majestade, minha sogra-vó.


A teimosia fez William perder sua paciência real. Lentamente, colocou a taça na mesa de centro com orelhas quentes.


- Kate, muita coisa está em jogo nesse casamento. Somos pessoas públicas, representamos uma nação. Esses convidados são parte de nossa diplomacia, da nossa política internacional. Como é tão difícil para você entender isso?


A resposta veio de bate pronto:


- Como é difícil você entender que não vai ninguém querido para mim? Esse casamento é de todo mundo, menos nosso.


E a raiva desatou em choro. Se sentindo um traste, William puxou sua noiva ao encontro do seu peito.


- Meu bem... Vem aqui. Eu te entendo. É muito difícil mesmo. Admiro o sacrifício que você está fazendo por nós. A obrigação de uma vida impecável, vigiados para sempre por paparazzis e fofoqueiros. Eu entendo e agradeço. Mas não tem muito jeito... Faz parte do nosso papel, e da nossa vida agora.


Com o nariz vermelho e inchado, Kate enxuga as lágrimas com as costas das mãos e algumas fungadas.


- Desculpa, meu amor. Me perdoe... Estou sendo egoísta. Você está no mesmo barco, nessa cerimônia para os outros.

Jogou a lista em cima de mesa, e deu beijos repetidos e estalados pelo rosto de seu príncipe. A lista ficou escancarada na tampa de cedro envernizado. Entre todos os nomes, um se destacava. Um nome estranho, diferente de todos, que dispensava um grifa texto para ser destaque.

Lentamente, Kate alcançou a lista. Leu o nome. Leu uma segunda vez e virou-se para William, com a testa franzida e o dedo indicando a seguinte combinação: Stênio Garcia.


- Quem é esse? – Indagou a futura rainha.


William ficou branco. E tentando manter a frieza de um gentleman, respondeu:


- Um grande amigo de minha falecida mãe.


- Stênio Garcia? Nunca ouvi falar na minha vida nesse sujeito.


E perguntou mais uma vez para ser a última.


- Quem raios é Stênio Garcia e o que ele faz na nossa lista de convidados?


De cabeça erguida, William respondeu orgulhoso:


- Um ator brasileiro formidável, que tenho a honra de ser amigo íntimo. E ele vai na festa.


E com um chute na porta, a raiva voltou para Kate Middleton e seu rosto de traços finos:


- Ah mas não vai mesmo!


- Vai sim. E nada o que você diga ou faça me fará mudar de ideia.

Em tom de decidido desafio, ela responde:


- Se você confirmar este sujeito no casamento está tudo acabado entre nós.

William balança a cabeça, olhando para baixo.

- Pois então, está acabado.


Kate não diz nada. Está em choque. Catatônica.


E antes de levantar, o ex-noivo dá à sua citação um corajoso suspiro:


- “É uma cilada, William. É uma cilada.”