sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Assalto


É uma tarde de fina garoa e sol tímido em uma urbanizada praia do Guarujá. Aquele momento de sossego praiano que tem o gosto amargo de ter comido demais, com a preguiça de quem acabou de acordar meio torto no sofá.
Do mar turvo e espumante, emerge Fúlvio. O mar na altura das canelas dá a impressão que ele arrasta correntes de ferro enquanto caminha. Com a diferença que poucos presos de masmorra teriam o trabalho de descolar a bermuda molhada das coxas ao andar.
Ao chegar na areia dura e escura, pausa para um momento de reflexão. Mas antes de decidir entre um bauru ou misto, um estranho o aborda.
- Ei mano, descola um cigarro.
Fúlvio olha de volta com intensidade, na esperança de que as gotas salgadas que escorrem pelo seu rosto passem a mensagem.
Não passam.
- Cara, na boa, olha pra mim. Acabei de sair do mar.
- Eu vi. Então, dá um cigarro aí.
A insensibilidade com a razão irrita Fúlvio.
- Por que raios eu ia entrar no mar com meus cigarros?
- Você tem cara que faz esse tipo de burrice.
- Ah, falou o gênio que pede cigarro para quem acabou de sair do mar.
Ambos absorvem suas ofensas por alguns segundos.
- Beleza, truta. Então me dá sua grana. Você não é espertão? Certeza que tá com dinheiro pra comprar o cigarrinho pra depois do mergulho.
- Sério. É pegadinha? Cara, eu acabei de sair do mar. A nota estaria molhada, perdida, sei lá.
- Mas você pode ter entrado com moedas. Não é o sabichão? Se preveniu e trouxe moedas. E aí?
Fúlvio olha a sua volta e avalia a chance de alguém gritar o bordão do Sergio Mallandro e acabar com tudo. Silêncio. Lá longe, um vendedor anuncia o seu biju.
- Não. Não trouxe moedas. Não trouxe nada! Você não entende que seria uma idiotice entrar com dinheiro, cigarro ou qualquer coisa que estraga no mar?
- Sim, faz sentido. Mas se você não trouxe nem moedas, cadê seu guarda-sol?
- Olha pra cima, meu querido. Está nublado. Está garoando. Está feio o tempo. Ninguém traz guarda-sol. Ninguém mal vem pra praia.
- Então você veio só de bermuda pra cá, nesse tempo?
- Sim, porra. E de chinelos.
- Ah... Para quê chinelos se o asfalto e a calçada não estão quentes?
Fúlvio se descontrola.
- Por que eu passei na merda do supermercado antes, cacete!
- E para comprar o quê, meu querido?
Pela primeira vez em toda discussão, Fúlvio olha para os pés fincados na areia.
- Bom. Ahnm. É... Cigarros. Cigarros e um isqueiro.
O assaltante abre um sorriso entre sádico e triunfal.
- E nada mais?
Olhando para a vastidão do oceano, Fúlvio confessa com um longo suspiro.
- E um ziplock.

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